Crítica: We Have Always Lived in the Castle (2018)

We Have Always Lived in the Castle

Em nossa sociedade, existem os conceitos do que é incomum, esquisito, estranho. Em geral, há um entendimento tácito sobre como coisas devem parecer e como as pessoas devem agir, e quando há um distanciamento destas normas, usamos rótulos para descrever o que não nos é familiar. Ainda que o conceito de algo não-familiar cause desconforto em alguns, definitivamente não é ruim ser estranho ou esquisito; há beleza naquilo que consideramos diferente. Vejam por exemplo o caso do diretor Tim Burton, que construiu uma carreira utilizando visual gótico e distinto, e hoje é bastante admirado.

O novo filme da diretora Stacie Passon (de trabalhos na TV como as séries O Justiceiro e Deuses Americanos), We Have Always Lived in the Castle (EUA, 2018), é um excelente espetáculo de atuação e estudo de personagem imerso em uma estética gótica, por sua vez embrulhada em um mistério peculiar. É um filme diferente, mas parafraseando a mim mesmo, há beleza no diferente.

O filme nos apresenta à família Blackwood, que sempre viveu no castelo do título. Um produto do capitalismo, a mansão da família fica no alto de um monte e abriga Merricat (Taissa Farmiga, de A Freira), sua irmã mais velha, Constance (a beldade Alexandra Daddario, do thriller Nomis e da comédia When We First Met, cujas críticas estão disponíveis aqui no Portal do Andreoli), e o tio das garotas, Julian (Crispin Glover, da citada série Deuses Americanos), que vivem isolados da cidade abaixo deles e de seus moradores.

Os Blackwood vivem à sombra de uma tragédia, que vitimou vários membros da família alguns anos atrás e da qual restaram apenas os três. Ainda que esta sofrida família pareça merecer a simpatia da comunidade, sua abundância e conforto ainda parecem suscitar hostilidade e raiva daqueles que precisam do suor do trabalho para sobreviver. Um dia porém, a solidão dos Blackwood é interrompida pela chegada do misterioso primo Charles (Sebastian Stan, de I, Tonya e O Peso do Passado, cujas críticas também estão disponíveis aqui no Portal), que passa a ameaçar a fortuna e o bem-estar da família.

Acompanhando a estética estranha da produção e sua história cativante, o filme apresenta personagens interessantes e envolventes. Cada personagem é interpretado de maneira excelente, com mais complexidade e profundidade do que parece à primeira vista. À medida em que a história se desenvolve, o público passa a querer saber mais sobre cada pessoa, e através de uma rica narrativa repleta de camadas contida no roteiro de Mark Kruger (Candyman 2: A Vingança), baseado no romance da célebre escritora Shirley Jackson, o filme explora como o trauma e a culpa podem acarretar gravíssimas consequências.

Farmiga encarna sua Merricat com uma alta carga de excentricidade. A atriz a interpreta como uma mulher agitada de olhos taciturnos e um radar para o perigo que nunca desliga. Ela perambula pela propriedade com a cabeça enfiada nos ombros performando magia e feitiços para manter sua família a salvo. E quando a segurança se torna o X da questão, Merricat não mede esforços para restaurar a ordem na família Blackwood. A mistura de profundidade e estranheza fazem de Merricat uma personagem inesquecível, e sua peculiaridade intrínseca deriva de seu passado problemático. A autenticidade de Farmiga reflete-se em sua personagem.

E há também Constance, que é tão misteriosa quanto estranha. Ela nunca deixa o castelo, sempre enviando Merricat para fazer as compras e conduzir algumas tarefas na cidade. Ela é complexa em sua natureza materna, carregando consigo visíveis sinais de abandono, e quando o primo Charles entra em sua vida, ela encontra um substituto para a solidão que domina sua existência. Daddario transmite com excelência a constante necessidade da humanidade em agradar os outros, mesmo quando não parece ser apropriado, revelando uma personagem fraturada e torturada que se esconde sob a fachada feminina padrão. A história de Constance é incrivelmente intrincada, convidando o espectador a refletir sobre seus incomuns relacionamentos familiares. O público fica a todo momento querendo saber mais sobre Constance, mas logo, garanto-lhes, se arrepende por tamanha curiosidade.

Por último, estão Julian e Charles. Julian miraculosamente sobreviveu ao citado atentado contra sua família anos atrás, mas hoje vive uma vida decrépita preso a uma cadeira de rodas como uma sombra do homem que um dia foi. Tudo o que ele deseja é terminar seu livro, mas seu estado de demência dificulta demais a realização de seu objetivo. Glover frequentemente rouba a cena com sua performance genuína de um homem aleijado e dependente, que gera intriga e simpatia ao mesmo tempo. Já o Charles de Stan é a maldade em pessoa, e quando ele não consegue o que quer, ele pune alguém. Assim como Glover, Stan mostra-se um ator extremamente capaz, que pode chegar muito além de ser apenas o Soldado Invernal da Marvel.

Como comentei, We Have Always Lived in the Castle é um filme bastante estranho. Seja por sua perfeitamente incômoda estética gótica, por personagens que agem com inusitados maneirismos, ou por retratar pessoas cuja natureza é aterradoramente má. Mas é justamente aí que reside a beleza do filme. Suas peculiaridades criam personagens únicos e autênticos, que relembram ao público a veia tóxica da humanidade como um todo. We Have Always Lived in the Castle pode até não conquistar a todos, mas certamente coloca todo mundo para pensar.

We Have Always Lived in the Castle não tem previsão de estreia nos cinemas brasileiros, e deve chegar ao país diretamente através de sistemas de streaming e VOD.

Uma resposta

  1. Este filme é uma verdadeira obra de arte. Te faz pensar em muitos aspectos e em muitas partes, te faz ficar apreensivo e muito curioso, e mais uma vez te bota para pensar. É uma obra de arte, sem dúvidas. Um filme maravilhoso, fiquei com muita vontade de ler o livro! Infelizmente, não deve agradar a todos, como você mesmo disse, mas é um daqueles que todo mundo deveria ver algum dia. Eu o defenderei sempre.

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