Vívian Soares: A Casa do Dragão

Um reino poderosíssimo em sua deliciosa descida ao inferno

No último Domingo (23), o último episódio da primeira temporada de A Casa do Dragão foi ao ar na HBO MAX, causando fervor nas redes sociais por conta do ganchopolêmico para a segunda temporada e consagrando-se como o final mais assistido da plataforma desde Game of Thrones, superando inclusive a audiência de seis temporadas da série principal – Vale ressaltar que a série é um spin off, ou seja, uma obra derivada de Game of Thrones, focada em contar especialmente a história da casa Targaryen cerca de 200 anos antes dos acontecimentos do seriado principal. Apesar de tudo, mesmo os ânimos agitados por conta da magnitude do universo de GOT não conseguiriam segurar a audiência se a narrativa não fosse sólida, envolvente e, acima de tudo complexa. Afinal, estamos falando de uma história cujo desenrolar é, inevitavelmente, uma guerra sangrenta pelo trono.

Trabalhar na construção de personagens que estão, literalmente, à beira de um colapso moral e emocional é uma tarefa minuciosa, que exige muita precisão, ainda mais no contexto pré-guerra em que a narrativa se dá.  Nesse sentido, um dos grandes acertos dessa primeira temporada é a construção muito rica e consistente de cada personagem envolvido no jogo político instável da série. Começando pelo próprio estilo narrativo, é chamada de “descida ao inferno” uma narrativa que começa em um contexto normalmente tranquilo e termina em uma completa tragédia; a ideia dessa primeira temporada foi, justamente, remontar a esse período anterior a guerra de sucessão que ficou conhecida como a “Dança dos Dragões”, com enfoque na cadeia de acontecimentos que levaram à sua eclosão. Inicialmente, o espectador é introduzido ao reinado de Viserys I (Paddy Constantine), em que dois de seus filhos rivalizam para disputar o trono, Rhaenyra (Emma Darcy) – sua primogênita – e Aegon II (Tom Glynn-Carney), seu primeiro filho homem.

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A ideia dessa análise não é explorar minuciosamente cada acontecimento da série, até porque isso tiraria metade da graça de assistir, e sim, por outro lado, tecer alguns comentários sobre o desenrolar da história. O grande ponto alto da narrativa, para além do próprio contexto, é o corrompimento moral e emocional que, gradativamente, se instaura nas personagens, até o clímax. Cada uma delas está completamente imersa nas próprias ambições, ao ponto de perder o senso de realidade; caminhando na mesma logística da série anterior, as personagens se perdem em si em nome do trono. Nesse sentido, o grande declínio do reinado se dá pela corrupção moral alienante que surge nas personagens pela ânsia de poder. Essa dinâmica é elementar na composição tanto do livro que inspira a primeira temporada (Fogo e Sangue, GEORGE R.R. MARTIN) quanto da própria sequência de episódios em si. Conduzir, em dez episódios, essa gradativa caminhada a uma explosão, com enfoque em diversas personagens, exige um olhar certeiro e atuações completamente entregues.

Há que se reconhecer o peso das performances de Emma D’arcy e Olivia Cooke como Rhaenyra e Alicent; brilhando através de tamanha entrega às suas respectivas personagens, elas elevam o nível da própria narrativa através da dinâmica impecável de rivalidade feminina instaurada. O que torna a série ainda mais interessante de ser vista é a carga emocional fortíssima que cada ator/atriz consegue transbordar. E para que esse estilo de descida ao inferno se torne tão delicioso de assistir, esse atrito perceptível entre emoções fortes e conflitantes entre si deve ser o ponto central.

Fora isso, o spin off também segue a fórmula Game of Thrones com bastante violência, teor sexual, mortes, incestos e traições, corrigindo alguns erros passados, como a diminuição de cenas de estupros; cada um desses dispositivos de roteiro, pelo próprio choque estabelecido no espectador impulsiona ainda mais essa sensação de estar assistindo a uma narrativa fluida. É preciso avisar que essas doses cavalares de realismo também configuram cenas explícitas de parto, por exemplo, dentre outras, que esbarram em uma possibilidade gigantesca de gerar desconforto em quem assiste.

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No geral, a primeira temporada é uma sutil e vagarosa caminhada para o clímax, e essa condução se dá de forma absolutamente cativante. O resultado disso tudo é uma temporada admirável, que sabe para onde vai, o que pretende, e guia as personagens e espectadores por uma deliciosa descida ao inferno, rumo à iminente guerra pelo trono.

Imagem de Capa: Reprodução/ A Casa do Dragão / HBO Max

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