Fábio Muniz: Lyon: A leitura de 2000 anos da História da Igreja em 10 minutos

Olá meus amigos queridos!

Esta semana eu cheguei a conclusão que de todos os lugares onde eu estive estudando a História da Igreja, tocando em pedras dos primeiros séculos, entrando em supostas prisões onde os apóstolos estiveram, viajando por teatros e anfiteatros romanos, visitando os principais lugares da Reforma Protestante ou da Igreja primitiva tais como Jerusalém, Roma, Cesareia de Filipe, Geneva, Zurique, Wittenberg ou Edimburgo…

A lista poderia seguir…

No entanto, todos estes lugares me falam de capítulos separados e preciosíssimos da História da Igreja, mas é em Lyon onde eu enxergo o resumo de todos estes capítulos juntos, interpostos, entrelaçados e somados enquanto caminho nas ruas, atravesso pontes, entro em anfiteatros do Império Romano, visito a cripta de Irineu de Lyon que se encontra na Igreja Bizantina do século V, encontro ruas com os nomes de gente como Policarpo e Pedro Waldo, e me deparo com epígrafes dos cristãos dos primeiros séculos que carregavam o símbolo formado pela sobreposição das duas primeiras letras iniciais chi e rho (ΧΡ) da palavra grega “ΧΡΙΣΤΟΣ” que significa Cristo…

.Tristemente devo te dizer que hoje a França está na lista dos países mais ateístas do mundo. E por qual motivo?

A gente vai chegar lá…

Posso começar primeiro dizendo sobre o meu mais recente projeto?

Pois bem, eu lancei um novo “Walking Tour”…

Dos muitos projetos que temos, este novo “Walking Tour” está na linda colina chamada Croix-Rousse. A Croix-Rousse é conhecidíssima por ser um lugar de restaurantes belos e modernos, bares rústicos, e cervejarias agradabilíssimas…

Ora, você encontra vinho de boa qualidade na Croix-Rousse. Você encontra queijos franceses, os mais diversos e variados na Croix-Rousse. Você encontra as padarias francesas mais extraordinárias na Croix-Rousse. Você encontra a tal vida “boêmia” e despreocupada de jovens e estudantes…

E mais ainda: você também encontra a história das revoltas dos trabalhadores da indústria têxtil do século XIX, os chamados “canuts”, tanto quanto as histórias das fugas e esconderijos da resistência francesa durante a II Guerra Mundial. É fascinante entrar e sair nos chamados “traboules”, passagens que atravessam pátios interiores e nos permitem cruzar vários edifícios rapidamente.

Isto posto, o meu “Walking Tour” resume a história da indústria têxtil, a capital da resistência francesa, Lyon, mas sobretudo a História da Igreja…

Você sabia que Lyon antes era chamada Lugdunum e foi tomada por um dos generais do temido Júlio Cesar no ano 43 antes de Cristo? Lugdunum, no seu auge, se tornou a segunda cidade mais importante do Império Romano atrás apenas da grande e poderosa cidade de Roma.

Pois bem, se você conhece o mínimo de história, você já sabe que foi debaixo do Império Romano que Jesus nasceu.

Você vai me perguntar, “Qual era o Imperador Romano, Fábio?”

Jesus nasceu exatamente debaixo do Imperador César Augustus. Você sabia que a primeira comunidade cristã da França foi a comunidade de Lyon e Vienne, e que ela tem origem Joanina?

Isto mesmo…

O apóstolo João encontrou-se com Policarpo em Éfeso. Policarpo tem participação fundamental na implementação e plantação desta comunidade em Lyon que se reunia  em pátios, casas, bosques distantes, e era composta de escravos, cidadãos romanos e comerciantes que eram vistos como uma ameaça ao Império Romano…

Em junho, no mês do meu aniversário, a Johnna me fez uma supresa e me levou a Vienne que se encontra a 36 quilômetros de Lyon. Uma vez lá, eu me deparei com o enorme templo construído e dedicado em honra e culto ao Imperador Augustus e a sua esposa Livia.

A esteira dos Imperadores Romanos segue em Lyon enquanto eu caminho pelas ruas: na colina Croix-Rousse encontramos o anfiteatro construído no ano 19 (século I). Monumento também construído e dedicado em honra e culto a um Imperador Romano. No entanto, agora a bola da vez é Tiberius. Você sabia que Jesus desenvolveu a sua vida pública e morreu debaixo do governo do Imperador Tiberius?

Você sabia que Claudius, Imperador Romano, nasceu em Lugdunum, atual Lyon, e o seu nome se encontra no livro dos Atos dos Apóstolos (Atos 11:28)?

Você sabia que na velha cidade de Lyon, nós temos uma das igrejas-prédios, igrejas-edifícios mais antigas do mundo, L’église Saint-Étienne?

Aliás, Saint-Étienne é considerada a igreja mais antiga da França e foi destruída no período da Revolução Francesa. Aguarde um pouquinho…

Tenha paciência. Eu vou chegar na Revolução Francesa e os motivos pelos quais vivemos em um lugar considerado pós-cristão…

Eu já mencionei 4 (quatro) Imperadores Romanos, e agora vou mencionar o quinto Imperador Romano que está presente na cidade…

Chegamos no ano 177 (século II) onde 48 cristãos foram martirizados porque negaram dizer que Marcus Aurelius era o “master”, ou melhor, o “kurios” (no grego, κύριος) palavra geralmente traduzida como “senhor”. Ora, para estes 48 mártires e cristãos, Jesus era o seu “kurios”…

Portanto, tortura e morte abraçaram estes indivíduos que simplesmente seguiram negando o senhorio de César…

Conquanto o movimento cristão fosse apolítico nestes primeiros séculos, eles eram vistos do ponto de vista político como uma ameaça. Afinal, falavam de um outro “kurios”, de outras leis, e de um outro Império regido pela paz que excede todo o entendimento, e que não tinha a ver com nenhum César Romano e tampouco com a Pax Romana…

Aliás, um documento egípcio do ano 120 conhecido como a Epístola à Diogneto relata a percepção que o mundo começara a ter sobre o movimento cristão…

Tal documento diz “Os cristãos são iguais como qualquer cidadão, mas ao mesmo tempo eles são muito diferentes! Eles obedecem uma extraordinária lei que vem de uma determinada República Espiritual…”

Isto dito, quando eu olho para a cidade de Lyon, e dependendo do ponto geográfico onde eu me encontro, eu consigo ler os 2000 anos da história da Igreja e resumir tudo a partir do início do Império Romano, passar por 5 (cinco) Imperadores, falar da Igreja orgânica sem paredes e perseguida, passar pela geração seguinte e imediata dos apóstolos representada pela influência de Policarpo que nasceu em Esmirna no ano 65, foi apontado pelo próprio apóstolo João para ser o bispo de Esmirna, e mais ainda, Policarpo foi o mentor dos dois primeiros bispos de Lyon: Potino e Irineu.

Bispos naquele período não tinha nada a ver com os bispos de hoje. Eram indivíduos como eu e você que transitavam nas comunidades orgânicas de uma maneira funcional, pois não havia hierarquia alguma. Ninguém era maior ou melhor do que ninguém, tampouco menor ou pior…

Havia apenas um grupo que se reunia, gente do Caminho, e tal grupo, igreja ou comunidade era presidida por um líder local seguido por um líder funcional de vários grupos ou igrejas, que instruía, encorajava, e compartilhava cartas e testemunhos sobretudo de tradição oral que vinham dos apóstolos, discípulos dos apóstolos, pois os mesmos tinham se encontrado com gente que tinha visto o Jesus ressuscitado…

Por exemplo: Potino, o primeiro bispo de Lyon foi torturado no anfiteatro romano da Croix-Rousse e morreu na prisão da colina Fourvière. A mesma colina que eu olho e sei que nasceu a cidade de Lugdunum no ano 43 antes de Cristo. A mesma colina que eu olho e vejo a Basílica Notre Dame de Fourvière construída em 1872 e considerada o monumento icônico da cidade…

A mesma colina que depois de 20 anos da construção da Basílica, em 1892, o surto pós-cristão já estaria presente na decisão da construção da Torre Metálica.

Você me pergunta, “O que é a Torre Metálica?”

Outro dia a Sophia me disse, “Olha papai! Você pode me dizer o que a Torre Eiffel está fazendo em Lyon?”

Ora, a tal da Torre Metálica parece mesmo a Torre Eiffel, construída com as mesmas características da torre mais importante de Paris devido as rivalidades no século XIX entre as duas cidades: Paris e Lyon. No entanto, a tal da Torre Metálica é alguns palmos mais alta do que a Igreja de Notre Dame, pois ninguém em Lyon queria ter um monumento religioso sendo o monumento mais alto da cidade…

E se eu falasse de Irineu de Lyon que também era de Esmirna?

Eu escreveria um livro sobre Irineu de Lyon que se torna um dos nomes mais importantes do período chamado patrística…

Irineu escreveu o seu livro “Contra as Heresias” em Lyon. Irineu lutou contra o gnosticismo em Lyon. Irineu trouxe o Evangelho de João para Lyon. Irineu afirmou que os Evangelhos verdadeiros e que deveriam ser levados em consideração eram: Mateus, Marcos, Lucas e João no meio de centenas de evangelhos gnósticos que circulavam no século II…

Posso seguir?

Enquanto eu escrevo estes parágrafos, as imagens da cidade de Lyon se multiplicam trazendo capítulos inteiros da história da Igreja na minha mente…

O fato é que a partir do século IV com o movimento Constantiniano, a religião e a política se casaram para sempre. 

A esperança pré-reformadora surge no século XII…

A voz e figura pouca conhecida é a de Pedro Waldo, um rico comerciante que olha para os textos em Latim e deseja ler tudo em sua língua materna. Pedro Waldo nasceu em Lyon. Pedro Waldo contrata tradutores e começa a ler, ler e ler tudo das Escrituras Sagradas sem a influência sacerdotal. Um movimento surge entre os pobres. Um auto-didata surge. Um movimento sem sacerdotes ordenados segundo a ordem religiosa e hierárquica do Cristianismo surge em Lyon. Ele mesmo, Pedro Waldo, vende tudo e se torna junto com os outros pobres um pobre…

Um movimento se inicia “Os pobres de Lyon”. No entanto, são perseguidos por Católicos e tudo teoricamente se dissipa…

No futuro, o movimento Waldense que fugiu de Lyon para as regiões montanhosas do Piemonte, na Itália, é abraçado pelos protestantes de Geneva que se torna a capital Protestante no século XVI. Geneva se encontra a 150 quilômetros de Lyon. Algumas destas montanhas que são “testemunhas” do movimento Waldense estão a 350 quilômetros de Lyon…

As guerras entre os Huguenotes Protestantes e Católicos a partir do século XVI, o Cristianismo e obscurantismo da anti-ciência, anti-filosofia, e anti-tudo aquilo que não se encaixasse com a mentalidade reduzida da Igreja daqueles séculos, inegavelmente  sofreram golpes durante o Iluminismo do século XVII que dava ênfase na razão…

E por fim, a Revolução Francesa no século XVIII foi o início do nocaute no Cristianismo. Cristianismo aqui descrito e que existira concomitantemente com papéis do ponto de vista social, religioso, econômico e político…

Igrejas derrubadas e destruídas no centro de Lyon durante a Revolução Francesa pelas revoltas do povo nos mostram o significado doentio do poder político e religioso do Cristianismo que se tornara uma “besta” ostentadora, gananciosa, e sem escrúpulos…

Cabeças de estátuas cortadas na Catedral Saint Jean no centro de Lyon nos mostram a luta e a guerra sem sentido entre Católicos e Protestantes…

Quem ganhou com tudo isto?

Ninguém ganhou…

Pelo contrário, todo mundo perdeu…

E o que falar do líder da Gestapo, o nazista Klaus Barbie que foi responsável pela ocupação nazista na cidade de Lyon onde temos ainda sinais das suas pegadas e atrocidades cometidas em plena II Guerra Mundial enquanto a igreja alemã na sua grande maioria dava todos os sinais de apoio para as loucuras ideológicas, e de supremacia esmagadora de Adolf Hitter.

Quem tem um pingo de bom senso enxerga as incoerências de um movimento que está muito abaixo e aquém de praticar os princípios espirituais e da fé singela e humana encontrados na simplicidade de Jesus de Nazaré e dos seus discípulos dos primeiros séculos, incluindo aqueles que pisaram, viveram e morreram no chão de Lyon.

Eu já estou terminando…

Hoje, eu no século XXI, conto esta história sem exageros quase todos os dias no mesmo chão, e em diversos idiomas para ricos e pobres, gente acadêmica, letrada e outras nem tanto, gente que está dentro da instituição chamada Cristianismo e gente que tem pavor até mesmo de nomear o fenômeno “Cristianismo”…

Ora, para a maioria esmagadora das pessoas que vivem na minha geração, e dentro do meu contexto, elas infelizmente não são capazes de ver que o movimento simples e sincero dos primeiros séculos em Lyon, uma comunidade orgânica com bispos e líderes cristãos que nada tem a ver com as 330.000 crianças que foram abusadas sexualmente por padres e líderes da Igreja Católica, incluindo alguns que estão em Lyon, nos últimos 40 anos segundo o documento oficial que acaba de sair e ser lido, exposto e reconhecido em todos os meios de comunicação no mundo inteiro…

De Lyon, eu posso olhar para Avignon que está a 230 quilômetros, e você sabe qual os capítulos da história da Igreja que eu estava esquecendo nesta coluna?

Pois bem, um dos capítulos mais tristes e insanos da história da Igreja que representa a busca de um poder político e religioso entre 1309 e 1376, é o capítulo onde dois papas lutavam por tal supremacia religiosa e política. Um papa em Roma e o outro papa em Avignon…

Não é a toa que este lugar se tornou pós-cristão. Não é a toa que as pessoas rejeitam tudo o que tem a ver com o tal Cristianismo.

Apesar de tudo, uma vez que a história da Igreja é colocada nos seus devidos capítulos e períodos, é inegável que todos aqueles que viveram buscando a simplicidade de vida, e lucidez espiritual na qual Jesus nos ensinou, são visitados pela inspiração de gente como Policarpo, Irineu, Potino, Blandina, Pedro Waldo entre tantos outros cristãos que seguiram o Cristo de Deus e por isso foram chamados cristãos antes dos “cristãos” que surgiram a partir do século IV que começaram a se distanciar gradativa e sutilmente do projeto inicial que era um movimento apolítico…

Pare e pense, e se você quiser entender melhor, venha me visitar e eu terei o prazer de te mostrar o chão que me faz ver os 2000 anos de história da Igreja sob a perspectiva de um só ângulo: a cidade de Lyon.

Até a próxima!

Fábio

Collonges-au-Mont-d’Or

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