Fábio Muniz: Lyon: Um espaço para famílias ucranianas se conhecerem

Bom dia meus queridos amigos!

Era meia-noite quando eu liderei um grupo de voluntários e fomos para o centro de Lyon. Eu apenas estava começando uma parceria com ONG’s locais e me comunicaram que famílias ucranianas estavam ficando na fila durante toda a noite para receber os seus documentos na manhã seguinte. O problema era que apenas 40 números de atendimento estavam sendo distribuídos para as 40 primeiras pessoas.

Preparei café, chá, comprei garrafas de água, e convidei alguns voluntários dos nossos grupos e eventos culturais. A idéia seria ficar servindo e conversando com as famílias ucranianas até às 2:00 da manhã.

Pois bem, quando chegamos não havia muita gente. Logo descobri que a fila se multiplicaria em centenas de pessoas por volta das 07:00 da manhã. No entanto, conheci uma das pessoas que já estava na fila e aguardava aproximadamente umas outras 20 pessoas que apareceriam por volta das 05:00 da manhã.

Ora, para preservar a privacidade das pessoas, não vou escrever nomes. Mas, eu acabava de conhecer a vice-presidente da principal universidade da Ucrânia. Vou chamada de “P”. Ao lado da “P”, havia uma de suas amigas e colegas de trabalho, uma professora de química que havia fugido de Kiev com as suas crianças. Não demorou muitos dias, eu e a Johnna tivemos a oportunidade de conhecer as suas duas meninas adolescentes e o seu menino de apenas 10 anos.

Foi o início.

A Sophia nos ajudou distribuindo cappuccino, café com leite, chá, etc. enquanto as famílias de ucranianos conversavam, e as crianças brincavam.

Os contatos se multiplicaram. Os voluntários dos nossos grupos se colocaram a disposição para traduzir, buscar refugiados nas estações de trem, doar roupas, ensinar Francês, fazer doações financeiras, e quando percebi, um movimento de generosidade estava sendo formado espontaneamente.

Quando percebi, a minha esposa já estava com um projeto em andamento com as mães da escola da Sophia. Algumas destas mães já estavam acolhendo famílias ucranianas. Algumas destas mães já tinham criado um grupo no WhatsApp com a finalidade de coletar roupas e dar qualquer tipo de assistência emocional, legal e linguistica aos ucranianos.

Quando percebi, a Johnna já estava visitando estas famílias, e um movimento simbiótico, orgânico e sincronizado nasceu entre as pessoas que conhecemos das centenas de reuniões culturais que realizamos, e as ONG’s locais que começaram a oferecer estrutura e alojamento para acolher estes refugiados.

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Um querido engenheiro, amigo, e participante ativo dos nossos grupos, formatou um dos seus computadores e fez uma doação. O garoto de 15 anos não podia conter a sua alegria e sorriso ao receber o computador em mãos.

Eu visitei dois centros de refugiados em Lyon com a “P”, abri o porta-mala do carro, e coloquei caixas e caixas de roupas. Eu observei atentamente como cada um deles vinha, mexia nas caixas de sapatos, vestidos, moletons e calças, e pegava o que fosse mais interessante.

Não preciso falar que a maioria destes ucranianos ou ucranianas são mães com crianças, são mulheres jovens, e alguns deles são idosos. Os seus maridos se encontram na Ucrânia na linha de frente da batalha.

A maioria deles vem de uma educação consideravelmente alta, alguns deles com recursos financeiros, mas se percebe que deixaram absolutamente tudo para trás, e entraram na França apenas com a roupa do corpo.

Pois bem, uma amizade cresceu entre eu, Johnna e “P”. Ela se tornou a nossa ponte com todas as comunidades de refugiados em Lyon. “P” fez questão de nos convidar para ver uma linda apresentação de ballet ucraniano na cidade há duas semanas. Eu fiquei com as meninas, e a Johnna se juntou a centenas de franceses, estrangeiros e ucranianos em um evento para dar apoio as famílias, e pedir para que a insanidade desta guerra termine.

No sábado passado organizamos um evento especial. Usamos o nosso espaço cultural para organizar uma atividade somente para os ucranianos. A idéia era muito simples: Acolher a cada um deles, servir um bom café, e sobretudo, deixar o espaço para que eles se conhecessem, conversasse com outras famílias, e entre eles mesmos, tivessem a liberdade de falar em ucraniano sem se preocupar conosco, com a língua francesa e tampouco com a língua inglesa ainda que muitos falem Inglês fluentemente.

Na realidade, foi uma mistura de milhares de sentimentos que tive.

Eu olhava para aquelas quase 60 pessoas e pensava: “Jamais imaginei que este encontro seria um sucesso!”

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Mas, que sucesso?

Como definir “sucesso”?

Uma tristeza e angústia me invadiram quando eu vi um menininho lindo brincando de carrinhos com a Júlia.

Um gelo no meu peito me saltou depois de ter conversado com adolescentes que poderiam ter a idade da minha sobrinha.

Uma ira inimaginável e uma indignação extraordinária me invadiram quando a Johnna me disse que tinha conversado com um senhor, já com os seus mais de 60 anos de idade que estava acompanhado pela sua esposa, e contou-lhe que era professor de alemão na Ucrânia, mas teve que fugir e deixar tudo para trás.

E mais: Um outro casal surpreendentemente tinha conexões com Chicago, e logo se identificou com a minha esposa. Quando vi, entre angústias e dor, eu notava um sorriso aqui, outro lá; um abraço aqui, outro lá; uma boa conversa aqui, outra lá.

Alguém me disse que a maioria deles quando se encontram nos centros de refugiados não tem vontade de falar, muitos deles estão deprimidos. Eu posso imaginar a dor de cada um deles. Aliás, eu não posso imaginar. Nenhum de nós podemos porque jamais passamos por algo similar.

No entanto, e apesar da conjuntura sem precedentes, “P” me disse que nunca tinha visto uma atmosfera tão acolhedora, positiva, e que eles estavam conversando entre eles, tirando fotos, sorrindo…

Na realidade, o espaço oferecido foi um oásis.

 

Apesar de não falarem a mesma língua, o garotinho ucraniano e a Júlia nos ensinam, aos adultos, como basta muito pouco para poder viver em paz, e respeitar o espaço de um, e do outro.

O espaço criado foi um momento, uma pausa, um hiato regado de esperança para que em breve, todos eles possam voltar às suas cidades e famílias, e sobretudo, aos seus esposos e pais.

A minha oração e prece é para que esta guerra sem sentido e a burrice humana cessem.

A minha oração e prece é para que pais se reencontrem com os seus filhos, esposas voltem a beijar os seus esposos, e idosos possam voltar aos seus lares. Assim seja. Amém.

Fábio Muniz

Collonge au Mont D’or

 

**O conteúdo e informação publicado é responsabilidade exclusiva do colunista e não expressa necessariamente a opinião deste site.

 

Imagem: Arquivo pessoal do colunista

 

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Respostas de 2

  1. Lindo ……este trabalho …..UM DOM DE DEUS…..PRECISA NASCER COM ESTE DOM..ORANDO SEM CESSAR PELA GUERRA E PELOS REFUGIADOS.

    DEUS OS ABENÇOE

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