Uma espiritualidade que transcende as tradições cristãs

Bom dia meus amigos queridos,

Eu fiquei extremamente inspirado ao aprender sobre a jornada espiritual de Arvo Pärt.

Você já ouviu falar de Arvo Pärt?

Arvo nasceu em 1935 em Paide, na Estônia. Ele é considerado o compositor de música clássica contemporânea mais popular da atualidade. De modo que a sua fé, jornada espiritual e musicalidade se imiscuem tornando-se parte da sua vida e devoção.

Pouca gente sabe que as suas obras estão sendo executadas por todos os lados no mundo. Pouca gente sabe que muitas das suas obras são usadas em trilhas sonoras de filmes e tocadas em espetáculos de dança.

Na semana retrasada quando eu estava em Tallinn, fomos convidados para visitar o Centro Arvo Pärt. Todos nós ficamos fascinados com as muitas histórias que ouvíamos sobre a vida e carreira de Arvo. No Centro Arvo Pärt tudo foi construído minuciosamente e calculado com extrema precisão. As árvores que estão ao redor do edifício bem como a vista do lindo mar Báltico ao fundo dão ares quase mágicos a tudo que se vê por lá.

É também no mesmo local que se encontra um auditório belíssimo que recebe concertos musicais, dono de uma acústica extraordinária, tal auditório é palco de inúmeras performances. E mais ainda, a visita da capela com ícones ortodoxos charmosos nos deixou em silêncio ao ouvir a trajetória espiritual do compositor estoniano. Além disto, tivemos acesso a locais do edifício que normalmente não são visitados pelo público e pudemos ver muito, mas muito material, obras e arquivos produzidos pelo compositor.

Algumas das suas obras nos inspiram profundamente e foram propositalmente escritas e desenvolvidas com tons que nos levam à uma jornada de meditação e contemplação espiritual.

Pois bem, uma das facilitadoras destes seminários, nos explicou que Arvo escrevia a sua música partindo da premissa dos Evangelhos e tendo em mente sempre o Livro dos Salmos. Na realidade, versículos bíblicos foram transformados em música, e cada vírgula dos Evangelhos, cada pontuação, cada pausa, cada entoação, cada exclamação ou interrogação das narrativas de Mateus, Marcos, Lucas e João foram interpretadas pela sua música e ganharam uma maneira de ser tocada. Nada do que ele percebia nos Salmos e nos Evangelhos passou despercebido enquanto ele compunha.

Arvo viveu debaixo da presença dos soviéticos na Estônia por basicamente 50 anos. As marcas de tal opressão política e social influenciaram a sua musicalidade de uma forma extraordinária. Algumas destas obras foram vistas como peças de conteúdo politicamente incorreto. Não é preciso dizer que a censura soviética o forçou a emigrar em 1980, com a sua esposa e os seus filhos para Viena, posteriormente ele acabou indo para a Berlim ocidental, e finalmente retornou à Estônia por volta dos anos 2000, onde vive até hoje em Tallinn.

Após compor o conhecido “Credo” em 1968, ele teve uma pausa de 8 anos. Em 1976 Arvo voltou a compor. Em cada caderno de música, podemos ler entre uma estrofe e outra, orações escritas pelo compositor.

Conquanto Arvo tenha sido batizado Luterano, pois a Igreja Luterana é a igreja nacional da Estônia, ele se converteu ao Cristianismo Ortodoxo em 1972. No entanto, a sua espiritualidade está para além das tradições cristãs, pois ele navega entre luteranos, católicos, e ortodoxos com toda a leveza de alguém que sabe ser ser humano.

Arvo Pärt foi recentemente reconhecido e premiado pelo Papa Francisco devido as suas composições sacras e pela sua jornada de muito carinho com o anterior Papa Bento XVI.

E o que eu e você podemos aprender com a vida de Arvo Pärt?

Ora, a religião levanta muros, mas a espiritualidade constrói pontes.

Os 8 anos de silêncio de Arvo, fez a sua esposa pensar que nunca mais ele seria capaz de compor. No entanto, o silêncio cessou, o hiato existencial acabou, e Arvo voltou a compor. Eu vejo toda hora gente pensando que jamais voltará a se alegrar como um dia se alegrou. Eu vejo toda hora gente vivendo “silêncios” existenciais profundos sem a esperança de um dia voltar a dançar sentindo a brisa do vento e o calor do sol. Eu vejo toda hora gente sendo incapaz de parar para recitar um Salmo, fazer uma oração, fechar os olhos e transcender o frenesi da vida, e da rotina que nos engole!

Arvo Pärt me faz lembrar a filosofia de vida dos monges beneditinos, ou seja, “ora et labora”. Não importa se estou dirigindo o meu carro, lavando a louça, limpando a casa, produzindo um workshop, trabalhando no meu computador, escrevendo um e-mail, ou fazendo qualquer outra atividade. Eu posso sempre ter a minha mente conectada com a gratidão, viver a vida com devoção e paixão, fazer uma oração simples e curta entre projetos e projetos, ter a minha mente sempre e constantemente alinhada com o Divino.

Boa semana para todos vocês!

Collonges au Mont d’or

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