Jorge Lordello: Portaria remota, por que alguns moradores não querem esse novo serviço? 

Recentemente, o Síndico de um condomínio na Vila Mariana/SP me contratou para avaliar se o prédio que administra comporta implantar serviços de portaria remota. Ele relatou que um edifício nas proximidades passou a operar sem porteiros na guarita e o administrador estava contente com os resultados.

Realizei vistoria técnica no prédio em questão, que possui 9 andares com 2 apartamentos por andar. O edifício é antigo, com mais de 40 anos de construção, sendo que boa parte dos moradores reside no local desde a implantação. O movimento na portaria de pedestres é pequeno e a entrada e saída de autos tem fluxo diminuto.

O síndico relatou que os funcionários da portaria têm pelo menos 15 anos de casa e que, na sua percepção, estão mal-acostumados e sem motivação. Síndicos anteriores não fizeram investimento em eletrônica e muito menos em segurança. Ficou claro que o prédio possui diversas vulnerabilidades e falhas no tocante a entrada de pessoas e autos. Após estudo aprofundado, emiti relatório favorável à implantação de Portaria Remota, que além de economia financeira significativa, elevaria em muito a segurança do empreendimento, o que provocaria valorização das unidades.

O síndico passou então a conversar com alguns moradores, e para sua surpresa, a maioria foi terminantemente contrária a substituição dos porteiros, por tecnologia, inovação e monitoramento à distância de imagens, sinal de alarme, controle de abertura de portões e PABX.

Indaguei se tinha sido solicitada opinião de moradores mais jovens e a resposta foi negativa. Ele informou que apenas 4 unidades têm condôminos com menos de 35 anos; a maioria dos moradores está na faixa etária superior a 65 anos. Pedi que conversasse com os moradores mais recentes para saber a opinião deles sobre a Portaria Remota.

Após uma semana recebi e-mail onde o síndico disse que somente um não concordava com a mudança no modo de se operar a portaria do edifício.

A próxima orientação foi que solicitasse aos moradores que são contra a implantação de tecnologia, que apontassem as razões por escrito. Mais da metade não respondeu ao simples questionário que criei. 

Aqueles que atenderam ao pedido relataram que não se adaptariam ao uso de equipamentos eletrônicos e por isso eram a favor da continuidade do serviço de portaria presencial.

O curioso, é que na Portaria Remota os equipamentos para controle de acesso de pessoas são simples e de fácil operacionalização, tais como biometria digital ou facial.

Indaguei ao síndico se os moradores idosos usam aparelhos celulares. A resposta foi que 100% tinham facilidade até de operar whatsapp, pois todos estavam em grupo restrito do condomínio.

Para sanar algumas dúvidas, resolvi tirar uma tarde para ir ao condomínio e analisar as imagens gravadas das câmeras de segurança nos últimos 15 dias.

O resultado foi bisonho, para não dizer trágico, sob a ótica da segurança.

Veja algumas irregularidades que visualizei no monitor:

-Vários moradores passam muito tempo dentro da guarita batendo papo com os porteiros. Isso tira a atenção dos funcionários para a proteção do local.

-Por diversas vezes flagrei imagens de porteiros recebendo pizza à noite e deixando a encomenda no elevador para ser retirada pelo morador em seu andar sem precisar descer até a guarita. Assim, nessas ocasiões, por diversos minutos, a portaria do prédio tem ficado completamente desprotegida.

-Outro detalhe que chamou minha atenção, é a proximidade de alguns porteiros com empregadas de moradores. O entra e sai na guarita é grande. Até namoricos foram flagrados nas imagens do sistema de CFTV.

-Carregar compras de moradores até o apartamento também parece ser comum. Quando a demora vai ser grande, o porteiro costuma solicitar que o ajudante de limpeza permaneça em seu posto, o que poderá demandar num futuro próximo ações de ordem trabalhista em razão de acúmulo de função.

-Em algumas noites, as imagens mostraram porteiros recebendo visita pessoal na guarita.

-Três dos quatro porteiros têm o hábito de dormir na guarita nas madrugadas.

O regimento interno do prédio, que por sinal está desatualizado, proibe todas as ações acima descritas.

O síndico mostrou-se surpreso com algumas imagens, mas por outro lado, afirmou que sabia que algumas irregularidades eram praticadas, principalmente com favores prestados pelos porteiros a moradores mais antigos.

O único morador mais jovem que foi contra a Portaria Remota também foi flagrado nas imagens solicitando serviços extras aos porteiros, desrespeitando, assim, o Regimento Interno.

Essa relação de amizade entre colaboradores e moradores restou comprovada, pois em muitas imagens foi possível ver condôminos levando refeições para os funcionários da portaria, principalmente no horário noturno, além de presentinhos e até a chamada “caixinha” em razão de serviços prestados pelos porteiros, de forma contrária às normas internas.

Pelos motivos acima expostos, num primeiro momento, a substituição da mão de obra orgânica pelo serviço de Portaria Remota, nesse caso, não vingou. Mas o presente caso verídico serve como exemplo.

Não é por uma primeira negativa que o síndico deve desistir de promover melhorias no condomínio que administra. Muito pelo contrário, deve servir de Raio X para que no futuro seja possível quebrar bloqueios e hábitos arraigados que prejudicam a segurança da coletividade.

Somente com informação correta e precisa, analisando os prós e contras de ambos os modelos de serviço de portaria (presencial e remota), é que moradores devem decidir por qual optar. Para tanto, é preciso se desvincular dos interesses pessoais que muitos moradores têm com colaboradores de seus condomínios, principalmente quando em detrimento das normas de segurança aprovadas.

Por outro lado, é importante ressaltar, que o serviço de Portaria Remota, na minha opinião, não cabe para todos os prédios. É muito importante contar com a análise de um especialista em segurança condominial para avaliar a viabilidade ou não.

 

Jorge Lordello

**O conteúdo e informação publicado é responsabilidade exclusiva do colunista e não expressa necessariamente a opinião deste site.

Imagem: Cysne

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