Fe Bedran: Rendas ao vento – o adereço nas novelas regionais

Enfim passaram-se as festas e o país lentamente começa a retomar seus trabalhos. Do mesmo modo, a nossa coluna retorna ao seu eixo explicativo, voltando ao assunto em que paramos: o Adereço, uma ferramenta fundamental para a Produção de Arte de Televisão.

Hoje, nosso foco será o universo regional interiorano brasileiro, com seus cheiros, sons e cores. Analisaremos o Adereço como Artesanato (Artesão + Ato), traduzindo a nossa cultura brasileira na sua forma mais pura.

Nada mais apropriado do que citarmos a novela “Velho Chico”, 2016, uma verdadeira obra-de-arte, que não só exaltou a natureza, a cultura e as tradições regionais brasileiras, como lhes atribuiu novos significados e conotações. De fato, “Velho Chico”, regida por Luiz Fernando Carvalho, é uma novela-metáfora, uma poesia na tela, que eleva a Produção de Arte, a Cenografia e o Figurino às suas mais altas potências.

Comecemos por um item básico de qualquer cenário, as cortinas, que carinhosamente apelidei de “cortinas indiscretas”. Como uma testemunha ocular, um olho na fechadura, as cortinas de “Velho Chico” tudo viram, tudo escutaram e de tudo sempre souberam. Envolviam os diálogos dos atores e, balançando ao vento, os confortavam e embalavam, quebrando os fortes raios de sol nordestinos.

Também serviam de moldura para as majestosas composições de quadro do diretor e abriam caminho para a estupenda Direção de Fotografia, um verdadeiro filtro natural para as lentes da câmera.

A luz, a textura e o balançar de algumas das cortinas artesanais de “Velho Chico”. Da esquerda para a direita: o Capitão Ernesto Rosa (Rodrigo Lombardi), o diretor Luiz Fernando Carvalho e Leonor (Marina Nery), Encarnação (Selma Egrei) e Martin (Lee Taylor), e Piedade (Zezita Matos). Abaixo, o diretor dirigindo Fabiula Nascimento como Eulália, na Fazenda Piatã. Em destaque, o coordenador de adereços Newton Galhano, trabalhando em uma das cortinas desta locação.

Basicamente, o diretor Luiz Fernando Carvalho codificou que, as cortinas das casas mais simples, como as da Fazenda Piatã e as das residências da Cidade Cenográfica, seriam leves e solares, sutilmente transparentes, contrastando com os tecidos pesados e austeros da Mansão dos de Sá Ribeiro. Assim, a Produção de Arte e a Cenografia do folhetim elegeram os tecidos de renda para a fabricação das cortinas das casas do povoado, enquanto que, para a mansão do abastado Coronel Saruê, o veludo e os adamascados serviram para traduzir o ambiente opressor e autoritário de sua família aristocrática.

Numa solução criativa, econômica e sustentável, praticamente todas as cortinas dos cenários dos personagens mais humildes foram feitas do reaproveitamento de rendas já existentes no acervo dos Estúdios Globo. Este fato muito contribuiu para a originalidade, ineditismo e encantamento das mesmas.

O contraste entre a leveza e a conotação de liberdade da renda (primeiro slide) e a sensação claustrofóbica repressora criada pelas pesadas cortinas da Mansão dos de Sá Ribeiro (segundo slide). Nas fotos, da esquerda para a direita: Encarnação (Selma Egrei), Martin (Lee Taylor), Dr. Emílio (Leopoldo Pacheco) e Iolanda (Christiane Torloni).
A renda de bilro e o bordado filé eram abundantes na Fazenda Piatã, pois também se tornaram parte do sustento da família. Sua trama vazada, suas cores e sua textura foram intensamente exploradas pela direção e fotografia, gerando composições de câmera deslumbrantes. O entardecer e o amanhecer, peneirados pelas cortinas vazadas, produziam as mais belas sombras e recortes, dando maior profundidade à cena.
Vários outros adereços dos cenários foram criados a partir do reaproveitamento de material de acervo. No primeiro slide, vemos a aderecista Gaúcha (Regina DalleGrave) confeccionando com tricô e tiras de chita uma almofada para o cenário de Ceci (Luci Pereira) e Beatriz (Dira Paes), que na foto contracena com Bento (Irandhir Santos). No segundo slide, o coordenador de adereços Newton Galhano faz um “patchwork” de retalhos de tecidos para produzir a cortina da pia da cozinha de Ceci (Luci Pereira). No terceiro slide, ao fundo de Beatriz (Dira Paes) vemos como um tecido listrado pode se transformar em uma bela cortina de tiras transpassadas.
Tricô e chita se transformam em uma insólita cortina ou caminho de mesa (primeiro slide). Abaixo, Cícero (Marcos Palmeira) e o improviso de uma cortina feita de fitas de renda e de algodão para a casa de Doninha (Suely Bispo), pelas mãos da aderecista Sandra de Sá-Fortes Gullino.
Reciclagem e sustentabilidade também imperaram nos cenários da Cidade Cenográfica, como nas casas dos moradores da região e na Escola Municipal da Professora Beatriz (Dira Paes). No primeiro slide, potinhos plásticos de iogurte deram origem a um divertido móbile colorido. No mesmo conceito, flores de garrafa pet coloriram o quintal de uma das casas da cidade. No segundo slide, a garrafa pet pintada também foi matéria-prima para enfeitar a árvore da escola e, transparente, se transformou numa bela cortina ecologicamente correta. (Nas fotos Dira Paes, Lee Taylor e Irandhir Santos).

Na próxima semana continuaremos nesta viagem pelo adereço das novelas regionais. Até breve!

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