Resolvi escrever uma coluna, deveras ambiciosa, confesso, sobre a língua portuguesa. E me pergunto: — “Por onde começar?”
Decidi iniciar por uma antiga regra, que sempre julguei, desde os meus tempos de escola, ser verdade absoluta. E pesquisando, logo que decidi expor minhas dúvidas ao mundo virtual, tive uma imensa surpresa, quiçá um espanto.
Voltemos às nossas aulas de gramática. Lembram-se das três formas nominais dos verbos?
* Infinitivo (não está relacionado a nenhum tempo ou modo verbal, sendo a forma que nomeia os verbos): falar, ler, ouvir
* Gerúndio (indica uma ação que ainda está em curso ou que é prolongada no tempo, transmitindo, assim, uma noção de duração e continuidade de ação): falando, lendo, ouvindo
* Particípio (indica uma ação que já se encontra finalizada, transmitindo, assim, uma noção de conclusão): falado, lido, ouvido
E lembram-se também que os verbos que apresentam duas ou mais formas para o mesmo caso, são chamados de abundantes? É o caso do verbo haver e do verbo construir em algumas vozes do presente do indicativo:
* nós havemos ou hemos / vós haveis ou heis
* tu construis ou constróis / ele construi ou constrói / eles construem ou constroem
Na língua portuguesa, a abundância mais comum se dá no particípio. São muitos os verbos que apresentam mais de uma forma (regular e irregular). Veja alguns exemplos:
O uso do particípio na sua forma regular ou irregular dependerá do verbo auxiliar. Veja abaixo:
Até aqui, tudo bem, certo? Mas confesso que ao ler sobre os verbos GANHAR, GASTAR, PAGAR e PEGAR praticamente fiquei sem chão. Ora pois, sempre apliquei a regra dos verbos auxiliares para os verbos acima que são abundantes! E quantas não foram as vezes em que corrigi meus colegas de trabalho e amigos quando falavam “eu tinha pago”, ou “já havia gasto”? E quantas vezes recebi olhares hostis e condescendentes quando esbanjava de boca cheia “eu tinha ganhado a partida” ? O que ganhei, na verdade, foi um tremendo choque.
Acontece que alguns gramáticos (assim como eu, na minha humilde posição de admiradora da língua portuguesa) defendem o uso exclusivo das formas clássicas regulares (GANHADO, GASTADO, PAGADO e PEGADO) com os auxiliares TER e HAVER, e o uso das formas curtas irregulares (GANHO, GASTO, PAGO E PEGO) com os auxiliares SER e ESTAR.
Outros preferem o uso exclusivo (sim, exclusivo!) das formas que o brasileiro consagrou e que já monopolizam as novelas, se infiltram em telejornais e informativos periódicos impressos (GANHO, GASTO, PAGO e PEGO) tanto como os verbos SER e ESTAR, quanto com os verbos TER e HAVER.
E para nos confundirem mais ainda, existem os moderados. São aqueles que aceitam as duas formas de acordo com a regra dos particípios abundantes (*vide quadro), mas concordam que o uso da forma irregular (curta) tem ocorrido tão frequente e predominantemente, que já consideram correto o seu uso com os verbos auxiliares TER e HAVER. Assim:
* “tinha GANHADO”, “havia GASTADO”, “tinha PAGADO”, “havia PEGADO”.
* mas também “TINHA GANHO”, “HAVIA GASTO”, “TINHA PAGO” e “HAVIA PEGO”
* além de “foi GANHO”, “era GASTO”, “será PAGO”, “foi PEGO”.
Lembrando que estas regras só funcionam com os verbos abundantes, ou seja, aqueles que tem particípio duplo. A maioria dos verbos apresenta somente uma forma de particípio, regular ou irregular:
* acabado
* arremessado
* falado
* estudado
* esquecido
* permitido
* trazido (trago, NUNCA!)
* chegado (chego, JAMAIS!)
* coberto
* dito
* feito
* aberto
* escrito
* sido
* visto
* lido
E você? Qual teoria defende? Você é a favor do ganho ou do ganhado? Aguardo seus comentários.
Para um estudo mais detalhado de opiniões, acesse < http://www.migalhas.com.br/Gramatigalhas/10,MI204379,11049-Gastado+ou+Gasto> do Professor José Maria da Costa
BIBLIOGRAFIA
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