Lilian Schiavo: Quando você tomou as rédeas da vida?

rédeas

O que você faria se eu te convidasse para uma reunião literária na hora do rush, num dia frio, no meio da semana? E se, para completar o cenário, o local fosse distante e o trajeto demorasse mais de 1 hora?

 

Desanimou?

 

Somos um grupo de empresárias que se reúnem por amor aos livros, mas também porque criamos um elo de amizade e força.

 

Desta vez a  pergunta do dia era: qual foi o momento em que você tomou as rédeas da sua vida?

 

Então aconteceu o inesperado, uma explosão de relatos, um desnudar, a verdade tomando conta da sala, ocupando os espaços, sem chance para amenidades.

 

Já sabemos que a maior parte das mulheres se tornam empreendedoras “na marra”, não é fruto de um sonho romântico mas da necessidade absoluta de pagar as contas, pensamos na responsabilidade que temos com os filhos que pusemos no mundo ou nas mensalidades da faculdade tão almejada.

 

Nada fácil nem planejado, muitas vezes apagando incêndios, engolindo sapos do tamanho de dinossauros, buscando forças no divino pois nossos braços e pernas já estão cansados.

 

Pode ser que você acredite que ninguém te ouve, que está absolutamente sozinha nesta caminhada, que ninguém te vê, ficou invisível diante das dificuldades.

 

Então, sabe-se lá de onde vem uma vontade absurda de virar a mesa, mudar a história…

 

Já contei nesta coluna a história da Vilma, presidente e  fundadora de uma ONG, ela perdeu a visão já adulta, mas eu não sabia como isso aconteceu, sempre ouvi que foi devido a uma cirurgia mal sucedida, mas ela relatou que foi um deslocamento de retina causado provavelmente por causa de excesso de trabalho. Ela já estava separada do marido, tinha uma filha para criar, era formada em 2 faculdades e uma pós-graduação e  eis que surge uma proposta desafiadora mas economicamente compensadora. Ela passou dias sem dormir, lendo e relendo sem parar, trabalhando incansavelmente para conseguir terminar e levar os resultados para o exterior. A visão começou a falhar e ela não entendia o que estava acontecendo, queria terminar o que havia iniciado, mas não foi possível. Perdeu o emprego, outra pessoa apresentou o resultado de sua pesquisa, ela perdeu a visão, caiu em depressão, mas num belo dia resolveu levantar e começar de novo, agora diferente. Descobriu que mesmo sem enxergar era capaz de fazer coisas que antes não conseguia. É um exemplo de superação, resiliência, amor e bondade.

 

A Betty contou que é uma empresária, contadora de histórias, animadora de festas, apresentadora de um programa na Internet e editora de um jornal. Ela passou por uma depressão profunda durante 8 anos, andava escorada nas paredes até que resolveu fazer terapia e conheceu contadores de histórias como indicação do tratamento, a partir daí fez uma série de cursos, tem uma vida permeada de altos e baixos como todas profissionais liberais, mas não esmorece. Atualmente, perdeu um contrato que tinha com uma rede de livrarias onde contava histórias para crianças e mesmo assim, sem trabalho e salário, se dispõe a visitar hospitais e associações de amparo a crianças com câncer vestida de Emília. É mãe, guerreira e corajosa!

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Algumas histórias eram tão parecidas que se confundiam, várias delas escolheram mudar de país, aprenderam novos idiomas, conheceram e casaram com estrangeiros, saíram da zona de conforto e trabalharam em funções que não haviam imaginado.

 

São mulheres que enfrentaram o novo, a Cecília foi morar nos Estados Unidos aos 17 anos, vinda de uma família tradicional e protetora, estamos falando de uma desbravadora, pois este fato ocorreu há muitas décadas atrás. Não é a toa que hoje ela é uma líder contestadora, uma mulher que fala em revolucionar a educação, capaz de agregar centenas de pessoas em torno de um ideal. Ela está terminando um mestrado, tem mais de 70 anos, mas aparência de 50 e com ela visito secretarias de ensino, falo com pessoas que nem imaginava, visitamos uma comunidade, andamos pelas ruas, entramos nas casas, falamos com as pessoas e buscamos ajuda para que o projeto Criança na Creche saia do papel e se torne realidade. A Cecília é uma mulher que tem um legado.

 

A Bia saiu de uma comunidade de pescadores e descobriu a cidade, estudou, se formou numa faculdade e queria conquistar o mundo…conseguiu! Foi morar no exterior, galgou altos postos, conheceu o marido, viraram um casal bem sucedido, um modelo de workaholic, o único problema era que trabalhavam tanto que nem conseguiam se encontrar, então corajosamente, decidiram que dinheiro nenhum valia essa vida de desencontros e resolveram parar. Os ternos de executivo dele foram substituídos por jeans e camiseta, ele foi fazer um curso de gastronomia e hoje fabrica queijos artesanais, agora o casal tem tempo de namorar, de receber amigos para jantar, de dar risadas e viver uma vida mais leve e mais feliz. A Bia retomou a brilhante carreira, mas segue de acordo com as prioridades da sua vida, no tempo que ela determina.

 

E se você já passou por uma reviravolta, a Audy relatou que ao passar em todos os exames admissionais para trabalhar num consulado africano recebeu um telefonema perguntando se ela era afrodescendente, não era… é uma descendente de italiana, loira com olhos claros e um inglês impecável, mas sem preencher os requisitos necessários para o cargo. As malas já estavam prontas para morar em Brasília, mas diante desse imprevisto acabou recebendo uma proposta para trabalhar na África do Sul. E lá foi ela numa experiência incrível. Percebeu que amava viajar, que o mundo é feito para ser descoberto, voltou para o Brasil e trabalhou durante anos numa embaixada até que tirou da gaveta um projeto, na verdade um sonho, o de levar deficientes visuais para uma viagem sensitiva, onde inúmeras possibilidades são exploradas, a visão deixa de ser vital e ela mostra como é possível conhecer outros lugares, outras culturas e sabores, sentir outros cheiros, tatear outras texturas e formas e vivenciar novos aprendizados.

 

A Myrian, casada há mais de 30 anos, mãe de 2 filhos já adultos, um deles músico e o outro com sólida carreira. Um dia ela olhou para a sua vida confortável e percebeu que queria se reinventar. Voltou a estudar e se formou. Quando ela fala parece que estamos ouvindo uma poesia, uma fala mansa e doce, um olhar carinhoso de mãe e uma sensibilidade absurda. Atualmente ela é uma designer floral que impressiona pela inovação, criatividade, uso de cores, capaz de transformar pequenos espaços em jardins exuberantes, ela transpira gratidão e é uma demonstração que a força pode vir da aparente fragilidade, falando baixo e com gestos delicados. Ela é uma inspiração!

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E se você pensa que elas foram sortudas, privilegiadas, vou contar a história da Carol, ela vem de uma família atípica, com mãe militar, educada para ser previsível, mas ela é exatamente o contrário. Aos 16 anos não estava muito interessada em fazer faculdade e resolveu procurar emprego, lendo os jornais conseguiu uma vaga como vendedora de gás ganhando uma ninharia, mas orgulhosa do seu primeiro emprego. Passado alguns anos, pensou em se tornar aeromoça, fez o curso, passou nos exames e foi trabalhar numa companhia aérea que faliu após alguns meses, e agora? Casou, teve uma filha, cursou a faculdade de jornalismo, descasou, casou pela segunda vez, teve outra filha, abriu empresa, faliu, trabalhou na Isto É, não necessariamente nessa ordem, caiu e levantou quantas vezes foram necessárias e ei-la aqui, inteira, animada, dando aulas e palestras, empresária, empreendedora, ensinando outras pessoas a vencerem, ela acha que seu forte é a comunicação, eu acredito que o forte dela é a capacidade de se reinventar, a sua resiliência. Ela é uma fortaleza.

 

A Regina  é uma psicóloga que não atua na área, mas tem como melhor lembrança da faculdade o estágio que fez com mulheres carentes nas comunidades. Para ela, esse foi o grande aprendizado, mais do que a teoria aprendida nos livros a possibilidade de ajudar foi o grande diploma recebido. Criamos juntas um projeto de empreendedorismo para mulheres, com foco nas vítimas de violência física ou psicológica. O sonho dela é voltar a atender essas mulheres, capacitá-las como empreendedoras ou profissionais do mercado, mostrar que as mudanças são possíveis, que elas podem sair dessa condição de vítima e se tornarem donas da própria vida. Talvez a Regina recuse um convite para ir com você num evento social,  mas estará sempre disposta se você disser que está indo ajudar alguém. Ela vive baseada em valores como solidariedade, amizade e família, esse é o combustível que a move. Ela é um exemplo de gratidão!

 

Quando tomamos as rédeas das nossas vidas? Pelo que percebemos, todas as vezes que caímos, quando algo não dá certo e precisamos agir… tomamos as rédeas quando conhecemos os nossos sonhos, nossas verdades, quando decidimos que nada vai impedir nosso caminhar, quando teimamos em resolver os conflitos e não escondê-los debaixo do tapete, quando temos coragem de ser quem somos, sem dar satisfação das nossas escolhas.

 

Tomamos as rédeas da vida quando entendemos que cada fracasso é um aprendizado que nos deixa mais fortes, quando encaramos a vida com o peito aberto, sem se vitimizar, com humildade para reconhecer os erros, com vontade de adquirir novos conhecimentos e traçar novos rumos, sem medo de ousar.

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