A Baleia traz o melhor de Brendan Fraser e o pior de Aronofsky

Muito conhecido por ser um diretor extremamente controverso, Darren Aronofsky possui uma filmografia para amar ou odiar, sem meio termo. Já é uma característica consolidada de suas produções possuir enredos divisivos que provocam sentimentos conflitantes no espectador, que podem causar tanto conexão quanto repulsa. Com seu mais novo filme, “A Baleia”, não é diferente.

Nele, Brendan Fraser interpreta Charlie, um professor de inglês universitário que pesa cerca de 270kg e dá aulas de ensino à distância com a câmera do computador desligada para que seus alunos não descubram sua aparência. Ao descobrir que só lhe resta uma semana de vida, ele começa atentar ao máximo se reconectar com sua filha, Ellie (Sadie Sink), uma adolescente muito explosiva e pavio curto, com quem perdeu o contato quando a garota tinha apenas oito anos de idade.

Fica muito fácil perceber que, à primeira vista, “A Baleia” tem a premissa de um drama espetacular, instigante, que faz refletir e cuja delicadeza dos temas carrega um grande potencial de provocar comoção. Contudo, a insensibilidade da direção e perspectiva de Aronofsky faz com que mais da metade dessa carga dramática se perca, delegando a tarefa de entregar a emoção esperada inteiramente aos atores do elenco.

(Brendan Fraser interpreta homem de 278kg em “A Baleia”; Foto: divulgação do filme)

A obesidade mórbida é um estado de saúde gravíssimo. Uma doença sem precedentes. Qualquer filme que se disponha a retratar o assunto tem o dever moral de, no mínimo, retratá-lo com respeito. Mas através das lentes de Aronofsky, o corpo de seu protagonista se torna um verdadeiro show de body horror digno de um filme do Cronenberg; todas as cenas com enfoque no corpo ou no transtorno do personagem infligem a mais pura e completa abjeção em quem assiste.

Elas envolvem closes no rosto do protagonista enquanto come compulsivamente comidas extremamente gordurosas, câmeras focando no ambiente bagunçado do apartamento em que ele vive, seu corpo nu andando com dificuldade e auxílio de equipamentos. Tudo passa a impressão do mais completo desleixo, dando a entender que o personagem está no estado em que vive porque quer, não por ter sofrido um trauma emocional muito pesado e difícil.

Isso pode, facilmente, levar à interpretação de que estar ou não em obesidade mórbida depende do mais absoluto querer, quando na verdade não é assim. Se em algum momento o diretor tentou – o que não parece corresponder aos fatos – provocar empatia pela figura desse homem tão complexo, falhou quase que absolutamente.

Todo o mérito pela empatia que o público sente por Charlie é de Brendan Fraser, que brilha com sua entrega de corpo e alma a esse papel. Graças a ele, o personagem ofusca a abjeção estabelecida pela direção com sua personalidade sincera, gentil e compreensiva. Fraser capta o ser humano por traz daquele sofrimento, e traduz seu melhor em tela, enquanto Sadie Sink funciona perfeitamente como contraponto encarnando uma menina agressiva e amargurada pela falta da presença paterna em sua vida. Os dois tem uma dinâmica que funciona perfeitamente, garantindo uma progressão muito fluida, apesar de densa, à história.

Além disso, a atuação de Hong Chau interpretando Liz, a enfermeira e melhor amiga de Charlie, sempre tensa e com medo de perder seu amigo é dramaticamente trágica. Se o filme consegue ser um drama sólido e progressivo, é porque o elenco carrega a carga dramática dele nas costas, manifestando-a com uma densidade de maestria ímpar.

(Elenco de “A Baleia”, composto por Brendan Fraser, Hong Chau e Sadie Sink). Foto: Divulgação do Filme

O comprometimento da equipe de atuação em contar essa história funciona muito melhor que o olhar pesado e grotesco de Aronofsky, ainda que esse peso venha acompanhado de uma estética bonita e coerente com o enredo, repleta de tons de azul e cinza frios e a tela em imagem granulada. Mas o filme consegue emocionar muito mais por conta da complexidade dos traumas e sentimentos de suas personagens, entregue pelo elenco e pelo roteiro fantástico de Samuel D. Hunter, baseado em sua peça de teatro homônima, que convida à empatia.

No geral, “A Baleia” é um filme que pode provocar sentimentos muito conflitantes devido às falhas do diretor na execução, mas é inegável que a performance de Fraser nesse filme valeria o Oscar 2023 na categoria de Melhor Ator. Sua entrega é genuína, absoluta e transborda sensibilidade, uma sensibilidade que, em diversos momentos, é negligenciada pela direção. Além do mais, o final dessa história é absolutamente aterrador, comovente e, em meio à tantas negativas, um grande acerto de Aronofsky. Funcionando como a cereja do bolo, o fim dessa história é o que realmente comove e dá sentido a todo o longa.

De modo atípico, o filme traz o melhor de sua estrela principal (Fraser) e o pior do diretor. Se o filme pode ser considerado um drama e não é automaticamente enquadrado no nicho do body horror, é graças à atuação impecável de Brendan.

Imagem de capa: Foto: Divulgação do Filme editada por Vivian Soares

**O conteúdo e informação publicado é responsabilidade exclusiva do colunista e não expressa necessariamente a opinião deste site.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Compartilhe esta notícia

Mais postagens