Pode alguém ser nostálgico por uma era a qual não consegue se lembrar? O diretor e roteirista Peter Strickland (Berberian Sound Studio, O Duque de Burgundy), está na casa dos 40 anos de idade, e seus filmes carregam uma moderna ambiguidade, mas eles são guiados por uma interessante apreciação de prazeres retrô como a estética dos anos 70, e o sensacionalismo do horror europeu. Seu novo filme, este In Fabric (UK, 2018), parece um daqueles giallos italianos da década de oitenta, o que parece mesmo ser esta a intenção de Strickland.
Uma das estreias da mostra Midnight Madness do Festival de Toronto do ano passado, In Fabric combina todas as obsessões diretoriais citadas acima, e ainda adiciona mais algumas. Um perverso (e frequentemente engraçado) filme de gênero, a produção tem tudo para se tornar um cult queridinho de festivais de cinema fantástico, mas como os filmes anteriores de Strickland, dificilmente chegará ao sucesso junto do grande público.
Ambientado em uma escura e opressiva Londres pós-Natal, In Fabric consiste na história de uma loja de departamentos diabólica e de um vestido assombrado. Tão vermelho quanto amaldiçoado, o vestido serve perfeitamente em quem o compra. Mas tal satisfação tem um preço, que varia desde escabrosas infecções de pele até máquinas de lavar explosivas. Falando honestamente, tal material seria suficiente para um curta, entretanto, o roteiro de Strickland estica a narrativa até o limite. O público acompanha a maior parte do tempo apenas uma “proprietária” do tal vestido do capeta, interpretada pela ótima Marianne Jean-Baptiste (Segredos e Mentiras, Jogo de Espiões), que queria apenas um traje bacana para um encontro às escuras. Em seguida, o traje vai parar nas mãos de um segundo dono, Reg (Leo Bill, de Assassinato em Gosford Park), que leva o vestido para sua esposa, com consequências nada agradáveis.
O estilo de Strickland expande a frágil estrutura do filme, às vezes até sobrecarregando a produção com sequências isoladas de surrealismo. Várias cenas consistem apenas de montagens fotográficas, algumas com estilo gótico, e outras que vão de encontro ao barroco sangrento, daí a possibilidade de classificar o filme como um giallo. Por mais ecléticos que sejam os tons do filme, há espaço também para o humor. Um humor satírico, digamos. E as performances acompanham as alterações de tom da produção. No papel de uma fragilizada mãe solteira, que odeia seu emprego e aos poucos tenta voltar a sair na esperança de conhecer alguém interessante, Jean-Baptiste entrega o tipo de trabalho realista que a fez brilhar no drama Segredos e Mentiras. Uma discreta Hayley Squires (de Uma Noite Real, 2015), é outro destaque no papel de uma das admiradoras do vestido misterioso. Já outras performances do elenco extrapolam a narrativa, e vão desde a ironia até o completamente grotesco.
Strickland canaliza diversas influências em sua obra, que vão desde o mestre Dario Argento, com algumas pitadas da frieza estética do grande David Cronenberg. Até o célebre e sombrio escritor Franz Kafka parece ser refletido na obra do diretor. Sem dúvidas é uma mistura maluca e genial, mas cujos elementos agregados fazem com que a narrativa tome um rumo obscuro e por vezes, incompreensível: Por que existem o que parecem ser arraias de roupas no escritório de um banqueiro? Que tipo de despedida de solteiro inclui o ato de forçar a convidada de honra a dançar utilizando um vestido em particular? E o que significa exatamente toda a questão envolvendo a maldição em torno do vestido e os misteriosos funcionários da loja de departamentos? Qual a real pretensão deles?
O fato de que os dois personagens principais deste In Fabric em dado momento relatam estranhos sonhos que tiveram, talvez seja a maior explicação por parte do diretor. Ou talvez seja uma desculpa. In Fabric é um filme com uma lógica de sonho, ou seja, sem lógica nenhuma. Ao mesmo tempo, porém, o filme carrega o poder de um pesadelo. E assim como alguns deles, permanece na cabeça de quem os vivencia.
In Fabric não tem previsão de estreia nos cinemas brasileiros, e deve chegar ao país diretamente através de sistemas de streaming e VOD.