Crítica: Skin (2018)

Quando se fala de cinema com temática neo-nazista, é impossível não pensar no neo-clássico A Outra História Americana (American History X), porrada dirigida por Tony Kaye em 1998. Nem adianta tentar comparar qualquer esforço anterior ou posterior ao filme com o próprio. A Outra História Americana está no raro patamar da perfeição cinematográfica, rol ao qual pouquíssimos filmes ao longo dos anos ganharam o direito de fazer parte. Tendo isso em mente, é perfeitamente possível perceber o valor deste Skin (EUA, 2018), produção obviamente inferior ao filme citado, mas ainda assim dotada de relevância e força, além de uma concepção sólida valorizada (e muito) por seu intérprete protagonista.

O amor triunfa sobre os mais escuros recessos do ódio humano no filme do ascendente diretor e roteirista Guy Nattiv, que transforma a história verídica do racista reformado Bryon Widner em um poderoso (e um tanto sensacionalista) drama, que conta com uma feroz e destemida performance central de Jamie Bell (dos dramas Donnybrook e Rocketman, cujas críticas também estão disponíveis aqui no Portal do Andreoli). Trata-se de um conto inspirador que contra-ataca sua temática pesada, entretanto, há tanta maldade sendo mostrada em cena, que o desafio é persuadir o público de que o mesmo está disposto a passar algum tempo na companhia de seus personagens.

Bell é puro comprometimento em sua intensa performance como Widner, um violento neo-nazista criado por supremacistas brancos e ensinado a nunca questionar sua autoridade. Suas elaboradas tatuagens faciais são um mapa de ódio; uma vez que suas atitudes refletem uma incessante fúria interna. Sua vida é uma espiral alucinante abastecida por bebida, sexo, drogas e violência. MUITA violência.

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A primeira metade do filme é a mais fraca, e Nattiv a utiliza para estabelecer o caráter destruidor de Widner e mostrar em detalhes sua sufocante vida dentro de uma comunidade de skinheads liderada por Fred (o excelente Bill Camp, da série The Night Of), e a maternal Shareen (a sempre ótima Vera Farmiga, dos recentes Godzilla: Rei dos Monstros e Annabelle 3: De Volta Para Casa, cujas críticas também estão disponíveis aqui no Portal do Andreoli). Sequências de ataques brutais contra diferentes etnias, diálogos efervescentes e sexo selvagem escancaram o modo de vida depravado destes personagens, e tudo é evidenciado de maneira tão explícita e volumosa, que em dado momento fica a impressão de que Skin não tem mais nada a oferecer em sua narrativa além de carnificina e devassidão.

Porém, quando Widner conhece a atrevida mãe solteira Julie (uma excepcional Danielle Macdonald, de Bird Box, cuja crítica também está disponível aqui no Portal), algo começa a mudar. Julie e suas três crianças dão a Widner um vislumbre de uma vida diferente, e do homem melhor que ele pode se tornar. Nós sabemos desde o início que Widner nunca trairia sua gente, mas aos poucos o filme revela através de sequências pontuais, a remoção dolorosa das tatuagens faciais dele, o que deixa evidente a força e inflexibilidade de sua transformação.

A jornada de redenção de Widner muda a cara do filme em seu segundo ato, tornando-o muito mais coeso e envolvente. Widner confronta todos seus conflitos internos e as ameaças externas à sua transformação, mesmo com as circunstâncias ao redor tentando convencê-lo de que se um leopardo não pode remover suas manchas, ele também não conseguiria remover as suas (numa metáfora às suas tatuagens faciais). Skin é um tanto provinciano e óbvio em seu início, dando a impressão até de ser uma produção para a televisão, mas é a belíssima natureza da história e o tamanho da montanha que Widner teve de escalar, que finalmente transformam o filme em algo digno, cativante e inspirador.

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Obs.: As experiências de Widner inspiraram também o excelente documentário “Erasing Hate“, lançado em 2011. Aconselho a quem puder a assisti-lo também.

Skin não tem previsão de estreia nos cinemas brasileiros, e deve chegar ao país diretamente através de sistemas de streaming e VOD.

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Uma resposta

  1. Filme muito bonito e triste. As vezes não imaginamos o que uma pessoa racista é capaz de fazer. Como um ódio gratuito pode fazer com que a pessoa seja tão má. Filme muito bom para nós refletirmos e nos perguntarmos se estamos agindo certo ou errado em muitas ocasiões.

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