Sempre fui fã confesso de Eddie Murphy. Ator de forte veia cômica, Murphy explodiu para a cena cinematográfica em 1984, quando substituiu de última hora ao astro Sylvester Stallone e protagonizou o mega hit-surpresa Um Tira da Pesada, sob a direção do sumido Martin Brest (Fuga à Meia-Noite, 1988). Infelizmente, Murphy nunca foi muito bom em escolher seus projetos, o que fez com que, ao longo dos anos, o ator não fizesse mais parte do time A de Hollywood. Com exceção do citado Um Tira da Pesada, do sensacional Os Picaretas (Bowfinger, 1999), do drama Dreamgirls (pelo qual recebeu sua única indicação ao Oscar, como ator coadjuvante), e por sua dublagem como o Burro da animação Shrek, Murphy amargou fracassos retumbantes na carreira.
Então, fiquei bem contente quando pude conferir este drama Mr. Church (EUA, 2016), produção que com certeza não baterá nenhum recorde de bilheteria, mas que resgata Murphy de maneira decente e edificante, permitindo ao ator mostrar todo seu talento, mesmo em um personagem que não utiliza o humor como modus-operandi.
Murphy é o personagem titular da produção, um talentoso cozinheiro que após a morte de um amigo, decide cumprir, à pedido do próprio antes de falecer, a promessa de cozinhar para Marie (Natascha McElhone, de Ronin), a ex-amante do falecido, e sua filha, a pequena Charlie, até que Marie venha a sucumbir ao câncer, que colocou uma estimativa de apenas seis meses de vida nas costas de Marie. No entanto, o que à princípio seria apenas uma prestação de serviços com data para terminar, acaba evoluindo para uma longa e honesta amizade entre os envolvidos.
Inspirado em fatos reais, Mr. Church marca o retorno à boa fase do ótimo diretor australiano Bruce Beresford, duas vezes indicado ao Oscar. Em 1989, Beresford foi o responsável pela façanha do singelo Conduzindo Miss Daisy (Driving Miss Daisy), drama que surpreendeu a todos, levando o Oscar de Melhor Filme naquele ano. Na produção, Morgan Freeman interpreta um chofer que é contratado para dirigir para uma senhora judia, interpretada pela falecida Jessica Tandy, numa dinâmica que também evolui de uma relação de trabalho, para uma emocionante amizade. Beresford recicla os elementos de seu filme mais famoso neste Mr. Church, como a relação entre o negro com experiência de vida, e sua “contratante” branca e que pouco sabe da realidade da vida (interpretada qui pela sempre eficiente Britt Robertson, de Tomorrowland: Um Lugar Onde Nada é Impossível).
Entretanto, a reciclagem termina aí. O trabalhado e sensível roteiro de Susan McMartin, estreante em longas, cria personagens originais e encantadores, cada um à sua maneira. Cada aspecto da relação de profunda amizade e respeito que surge entre Church e Charlie, tem sua razão de ser e um peso na narrativa, que nunca perde o foco e nem derrapa para o sentimentalismo. Algumas sequências da produção, especialmente as que trazem o personagem-título em interação com Marie, são absolutamente adoráveis, e de extremo bom gosto.
Apesar do esforço de todo o bom elenco de apoio da produção, é mesmo Eddie Murphy o dono do filme, compondo um personagem contido, de poucas palavras e observador, na contramão de como estamos acostumados a ver o ator, sempre tão amalucado e verborrágico em suas atuações cômicas. Aqui, o Mr. Church de Murphy funciona como o fio condutor, que liga e evolui as trajetórias de vida de todos à seu redor, mesmo que a única coisa que tenha feito para isso acontecer, tenha sido tratar todos com respeito e principalmente, dedicação e doação.
Mr. Church é uma obra encantadora, valorizada por um diretor acostumado com o tema, por um protagonista por vezes maior do que o próprio filme, e cuja mensagem de altruísmo comove e cativa o espectador. Uma grata surpresa!
Mr. Church não tem data de lançamento nos cinemas brasileiros, e deve chegar direto ao serviço de streaming e home-video.