Ela caminhou sorrateira até ele com um embrulho nas mãos.
Cabeça baixa ele olha para cima e sorri sem graça. A pele enrugada, queimada pelo sol causticante, chapéu roto a cobrir a cabeça.
No terno sujo, a delicadeza de um cravo espetado no bolso do paletó. Ela o chamava por “avô da rua”. Todo o dia ao sair para a escola ela pedia um lanche para a mãe. Dizia que o avô devia estar com fome e queria repartir sua merenda com ele.
O avô que Alice adotara era homem de poucas palavras, mas sábio. Via-se de pronto que tinha estudo. Falava bem, educado que era.
Em seus pertences viam-se livros. Uma pilha deles. Papelão forrando a calçada, uma tenda armada com sacos para entulho e pedaços de madeira. Ao lado da tenda, um pequeno vaso de ferro cheio de carvão para aquecê-lo do frio. Nos pés, chinelos. Ele havia mudado sua tenda para frente da livraria havia algum tempo. E Alice que amava histórias infantis, freqüentava com os pais a grande loja ao menos uma vez por semana. Assim simpatizara com o Sr a quem docemente batizada de avô da rua.
Quando voltava pra casa fazia uma porção de perguntas para os pais. Era fato que aquele Sr que morava em frente à livraria do bairro, intrigava Alice.
“Mãe, cadê a família do avô?
Porque ele mora na barraca?
Ele sabe ler e gosta de livros como eu. Eu pedi pra ele me contar uma história… você pode me levar até ele?”.
Nos dias frios, Alice ficava inquieta. Já havia pedido cobertores usados para a mãe na intenção de doar para o avô.
“Puxa tá chovendo… mãe, tá muito frio…”
Os pensamentos dela sempre alcançavam o homem por quem ela tinha simpatia.
Via-se que João, o velho avô da rua, fazia amizades. As mazelas da vida que ele levava não tiraram dele o sorriso.
Cada transeunte que entrava na loja ou passava por ela, deixava algum trocado. Um alimento. Um aceno gentil.
E João, sem graça, sorria tirando o chapéu da cabeça em reverência.
As férias chegaram e a família de Alice saiu em viagem. Seriam trinta dias de descanso na casa de campo da família. Distração pura. A menina adorava. Revia os primos, passava horas na piscina, corria pelos campos e se esbaldava nas brincadeiras que os adultos criavam para a meninada. Quando a noite caia, mortos de cansados que estavam, Nana, a babá, contava histórias. E Alice sorria, lembrando-se do avô.
Na volta da viagem Alice passou pela porta da loja no carro dos pais e não viu Sr João.
O local estava limpo. Não havia nada do “avô da rua” na porta da livraria. Nenhum vestígio. Ela imediatamente entrou em pânico.
“Mãe, para o carro. Para o carro mamãe, por favor.”
“Pai, Cadê o avô?
“Será que alguém da familia dele veio buscar? Será que ele morreu? “Manhêeee…”
O pai fez a volta no quarteirão e parou mais adiante. Desceram. Entraram na loja de livros para buscar informações. Alice estava aflita. Seu coraçãozinho pulava e ela corria pelos corredores procurando por Ernesto, o dono da livraria. Foi quando viu a mãe conversando com um senhor bem alinhado, de costas para ela.
Alice se aproximou e ao ver quem era o senhor que ali estava trajando paletó azul, calças limpas e um novo chapéu lançou os braços pra cima para alcançá-lo. Ela abraçou Sr João pela primeira vez ainda com medo de que nunca mais o fizesse.
Ernesto, logo se juntou a menina e aos pais revelando que havia empregado Sr João e que a partir daquela semana, o doce velho seria seu vendedor.
A alegria de todos era contagiante. Ernesto havia percebido o interesse do homem pelos livros, notara a dedicação com que cuidava dos que recebia em doação e decidiu dar ao homem a oportunidade de mudar sua vida.
Agora, ele moraria no quartinho dos fundos e trabalharia vendendo sonhos para tantas Alices como ela, que se permitiam mergulhar nas histórias dos livros.
Alice sorria satisfeita. O gesto do comerciante teria resolvido todos os problemas do avô da rua. A falta de um lar, o alimento, o provimento financeiro para se manter e a certeza de que Sr João trabalharia com amor e devoção.
Alice pensava extasiada: “ah, os livros!”
Na volta pra casa todos conversaram sobre o acontecido.
E Alice compreendeu, revirando os olhos de menina, o quanto os livros que tanto amava haviam mudado a sorte de seu amigo das ruas.
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Imagem: Getty Images – revista Crescer
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Que linda estória. Amei ! Vou contar para Davi. Parabéns!!!! Um grande beijo
Que estória linda. Amei ! Vou contar para Davi. Parabéns, e que venham mais contos infantis. Um grande beijo.