Um lugar chamado infância

Houve um tempo em que vivíamos livres… a infância era um lugar de brincar, de experimentar, de explorar tudo o que estivesse à nossa volta. Uma imersão na inocência, na ingenuidade, no gosto bom dos laços fraternos.

O tempo era marcado pela voz da mãe chamando pra jantar, pelos desenhos e filmes na TV, pela saída da escola, pelas férias que pareciam infinitas. Um tempo em que os vizinhos de rua eram os nossos melhores amigos… As brincadeiras, as bicicletas, a rede de vôlei em frente a nossa casa como ponto de encontro: tantos papos, goiabas, descobertas, amores juvenis. A dama da noite que crescia na calçada exalava seu perfume e nos avisava gentilmente que era hora de despedir dos amigos.

Sonhávamos muito, andávamos juntos, soltos e unidos pelas ruas de todo o bairro. Crescemos! Era o começo dos anos 80… O new wave, as roupas coloridas, as bandas que se formavam nas garagens das casas…

As matinês dos clubes e as mães encabeçando o revezamento entre levar e buscar nosso grupo. Meu primeiro namorado era baterista de uma destas bandas e eu me orgulhava muito quando faziam shows e eram aplaudidos pelos fãs. Primeira vez a subir na garupa de uma moto, a sentir o coração saltar do peito, a sonhar um amor.

Eu também tive um grande amigo. O melhor amigo da adolescência, tipo irmão mais velho e com ele compartilhei tantas tardes e afinidades.

A gente sempre inventava o que fazer e quando não havia atividade alguma fazíamos nada juntos. Falávamos da vida e ouvíamos música. Dire Straits era sua banda preferida e o LP que tocava na vitrola da sala da casa dos pais dele, quase furou de tão gasto pela agulha. Kid Abelha, Paralamas, Ultraje a Rigor, Capital Inicial e todas as bandas internacionais que descobríamos.

Festa em festa, daquelas com direito a música e dança da vassoura…

Nós éramos uma legião. Nossa escola havia permitido que todos nós nos conhecêssemos, integrássemos as famílias, vivêssemos os campeonatos esportivos, feiras de ciências, festivais da canção…

Ah, este tempo!

Como era feliz ir casa em casa, celebrar os aniversários, os despertares, os namoros e os amores platônicos!

Tive os meus… Meu irmão mais velho e seus colegas de classe. Um universo proibido e tão próximo. Acho que é sempre assim. A gente passa batido pelos meninos mais velhos e anos depois, desponta, desabrocha, e toma conta do jardim. E dos olhares destes mesmos meninos.

Vivi minha infância e pré adolescência entre estudos, elepês, o balé e essas amizades tão queridas, tão presentes, tão familiares. Tudo muito intenso.

Lembro-me bem de algumas descobertas com a melhor amiga como tragar um cigarro e tossir enlouquecidamente. Das peças de teatro que inventávamos, das noites em claro falando sobre tudo… Éramos crianças  experimentando por o pé na vida adulta. Os beijos, os amassos no portão, a música que eu cantava andando pra escola às 7 da manhã:

“Andar com fé eu vou que a fé não costuma falhar…”. Gil me acompanhava e Caetano já era meu preferido. Na minha casa a gente ouvia de tudo. Meu pai era bem erudito e gostava de música clássica. Minha mãe era da MPB, de Frank Sinatra, de Júlio Iglesias, Tom Jobim, mas seu cantor do coração era Chico Buarque de Holanda. Que maravilha ter conhecido esses gigantes da música tão cedo.

Lembro-me como se fosse ontem

Tantos detalhes me vêem a mente. Meu irmão era meu parceiro, mas como me irritava a maneira como me chamava do corredor na hora de levantar…

Era como um sino estridente soando dentro da minha cabeça. Devia ser difícil me acordar. Melhor pensar assim.

Trago na memória professores, diretores, e os tantos alunos que conviviam dia a dia num bairro chamado Campo Belo. Ali praticamente nasci (segundo fontes seguras, nasci na Aclimação, mas nos mudamos quando eu tinha poucos meses de vida).

Quando fiz 16 anos, em junho de 1987, quase no 2. Semestre do 2. Ano colegial (o que seria o ensino médio de hoje) me despedi dos colegas e amigos, como também do namorado (estudante de medicina) e viajei para o Japão.

Eu, minha mala e toda a minha coragem recheada de roupas e alguns sonhos.

Era o início da minha carreira de modelo e isso mudara para sempre o rumo desta prosa.

Eu ainda hoje me comunico com muitos destes amigos e mestres.

Alguns, nunca mais revi.

Já me peguei imaginando como estão, não apenas fisicamente, mas, em suas vidas… Os caminhos que seguiram… Se estão casados ou felizes sozinhos… Quais talentos desenvolveram… O que lhes toca a alma.

Faz-me muito bem imaginar que estão bem! Que suas famílias cresceram e que talvez também estejam formando seus filhos como faço neste momento com a minha amada Camila. E que talvez também estejam esperando seus filhos chegarem da rua. Como nossos pais fizeram conosco anos a fio.

Uma sensação boa de vida me toma. E eu agradeço este instante e a cada um que passou pela minha trilha, precisamente neste trecho e, tão naturalmente quanto o correr das águas dos rios, me ajudou a contar esta história que escrevo.

Salve!

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Imagem: Arquivo pessoal da colunista

2 respostas

  1. Que demais!!! Roberta… voltei lá no túnel do tempo!!! Pois tbém vivi esta história!!! Apesar de estar 20 anos na sua frente!!! Me lembro de tudo como se fosse hoje!!! Que bom .. diria que privilégio termos vivido esta época!! Eu sinto que foi o melhor dos momentos para nossa juventude uma época das grandes e melhores bandas!!! O pedido de namoro!!! Tinhamos amigos confidentes!!! Éramos livres e soltos!!!! Curti muito este período e vivi uma grande história 🙏 conto com muita alegria de ter vivido intensamente cada etapa da vida!!! Amei bjs!!! Vc sempre arrasando❤️

  2. Que lindo! Uma viagem no tempo, recheada de memórias incríveis e que nos fazem reviver e revistar tantas histórias.
    Sua escrita sensível como sempre, nos presenteia com mais esse belo texto. Parabéns, minha amiga. Emocionante !

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