Sempre fui fã incondicional do trabalho do genial cineasta mexicano Guillermo Del Toro. Meu ranking de diretores favoritos traz Eastwood, Scorsese e Del Toro no pódio em posições imutáveis, para vocês terem uma ideia. Provavelmente, minha admiração pelo mexicano tenha surgido através de outra de minhas paixões: o cinema de horror, do qual Del Toro é oriundo, tendo trabalhado em filmes do gênero no início da carreira, em títulos como Cronos (1993), Mutação (Mimic, 1997), e o excepcional A Espinha do Diabo (El Espinazo del Diablo, 2001).
Del Toro então adentrou as portas de Hollywood sempre com produções que de alguma maneira flertam com o horror e o fantástico, curiosamente, duas produções baseadas em histórias em quadrinhos, o excelente Blade II: O Caçador de Vampiros (Blade II, 2002) – que inclusive originou a ideia do vampirismo como um vírus, que Del Toro depois utilizaria na série de livros Noturno, que por sua vez originou a série de TV The Strain – e o sólido e divertido Hellboy (2004). Mas foi em 2006 que a carreira do cineasta ganhou uma nova vida, um novo peso, e quando seu nome passou a figurar no panteão dos grandes nomes do cinema, com o lançamento de sua obra-prima O Labirinto do Fauno (El Laberinto del Fauno), filme em que Del Toro uniu com perfeição seu tato para o cinema fantástico e de fantasia à uma narrativa rica, profunda e altamente emocionante e dramática.
E é justamente este trabalho tão relevante da carreira de Del Toro que espelha este belíssimo A Forma da Água (The Shape of Water, EUA, 2017), produção em que o diretor recicla vários elementos de seu filme mais notório (e alguns outros de sua carreira), mas que o faz de maneira original e poética, mergulhada em inegável beleza romântica. O filme inclusive é ambientado ao redor da mesma época em que transcorre a narrativa de seu Labirinto do Fauno, mas tudo na produção é tão belo, que todos seus elementos trazem um frescor encantador e apaixonante.
Del Toro ainda acredita na magia do cinema. Ele compreende, talvez melhor do que ninguém, que o público está sempre disposto a abrir mão do realismo, desde que seja para ser completamente envolvido pela emoção do cinema. O mexicano sempre produziu filmes que funcionam em múltiplos níveis, mas este A Forma da Água, vencedor do Leão de Ouro no Festival de Veneza, é um de seus trabalhos mais profundos, complexos e recompensadores. É uma produção encantadora e emocionante, que me fez querer assisti-la de novo assim que chegou ao fim.
Del Toro já dá o tom de seu filme logo na sequência de abertura, que mostra com irretocável beleza detalhes de um mundo submarino. Del Toro então apresenta sua protagonista, a solitária Eliza (Sally Hawkins, de Blue Jasmine), que passa seus dias assistindo filmes clássicos ao lado de seu gentil vizinho, o artista Giles (Richard Jenkins, de O Visitante). Todas as noites, Eliza trabalha na equipe de limpeza de uma instalação ultra-secreta do governo americano, com sua amiga e colega de trabalho, Zelda (Octavia Spencer, de Histórias Cruzadas), e sua vida resume-se a esta rotina enfadonha e até certo ponto, triste.
Em uma destas noites, chega às instalações uma nova “aquisição” que mais parece uma nova variação do Monstro da Lagoa Negra. Interpretado por Doug Jones (o anfíbio Abe Sapien da franquia Hellboy), o novo morador do local é uma fascinante criação cinematográfica, incapaz de falar, mas claramente capaz de sentir, e eventualmente de se comunicar. Eliza, que por sua vez é muda, acaba formando um relacionamento com a criatura, que como a própria Eliza, também é uma excluída. Enquanto isso, o maldoso chefe de operação, Strickland (o sempre sensacional Michael Shannon, de Animais Noturnos, cuja crítica você também confere aqui no Portal do Andreoli), se recusa a ver a criatura como algo além de um objeto de estudo, o qual deve ser analisado e estudado sem o menor sentimento ou compaixão.
Em sua primeira camada, A Forma da Água é um adorável romance, um ode à um par de seres colocados de lado por um mundo indiferente. Contudo, há muito mais escondido sob a aparente fachada de um filme romântico. Del Toro trabalha sua narrativa de maneira muito mais profunda, dando à sua história um subtexto político e honesto. A Forma da Água não é uma fantasia leve feita para agradar à toda família. Longe disso. Trata-se de uma produção feita para adultos, que carrega violência, sexo e perigo. É um filme com algo importante a dizer sobre como os sonhadores e os artistas deste mundo serão os responsáveis por sua revolução, e de como esta revolução pode surgir de onde menos se imagina.
Para completar, é preciso falar sobre o dom natural de Del Toro em seu trabalho relativo à composição e performance. Tenho certeza de que não estou surpreendendo ninguém quando digo que este A Forma da Água é visualmente maravilhoso. Não há um detalhe ou elemento de design sequer que tenha sido esquecido por Del Toro. O elenco também está incrível, especialmente Hawkins, que entrega uma das melhores performances silenciosas da história do cinema. Seu trabalho ajuda a amarrar o filme à uma linguagem cinematográfica clássica, cada vez mais rara em Hollywood. Dada a minha irrevogável admiração pelo cinema do gênio Guillermo Del Toro, talvez eu esteja tendencioso a elogiar demais A Forma da Água e não enxergar suas falhas. Porém, tenho a singela impressão de que não serei o único a considerar o filme uma obra-prima.
A Forma da Água estreia nos cinemas brasileiros no dia 11 de Janeiro de 2018.