Crítica: Apóstolo (Apostle) | 2018

Apostle

Para falar desta nova produção Netflix, Apóstolo (Apostle, EUA/UK, 2018), é preciso falar primeiro sobre seu diretor, o galês de apenas 38 anos, Gareth Evans. Muita gente nem sequer ouviu falar em seu nome, mas Evans é apenas o responsável pelo melhor filme de ação que vi em toda minha vida. E olha que eu já vi muita, MUITA coisa. Evans dirigiu e escreveu o eletrizante Operação Invasão 2 (The Raid 2), verdadeira obra-prima da ação lançada em 2014, e sequência de seu igualmente feroz Operação Invasão (The Raid: Redemption), lançado em 2011.

Protagonizados pelo espetacular artista marcial Iko Uwais (de Headshot e Beyond Skyline, cujas críticas estão disponíveis aqui no Portal do Andreoli), e rodados em Jacarta, na Indonésia, a saga The Raid é o melhor produto de ação em décadas de cinema, e esse segundo filme já nasceu clássico. O filme me impressionou tanto, que ele e seu diretor foram o tópico de minha primeira palestra para o Conacine, o Congresso Nacional de Cinema Online, onde falei sobre o cinema de ação asiático e a colocação de Operação Invasão 2 dentro do gênero. Vale ressaltar que você pode conferir minha crítica especial sobre o filme aqui mesmo no Portal do Andreoli.

O que ainda menos pessoas sabem, é que Evans também tem um pezinho no gênero horror, e em 2013, Evans se arriscou no gênero dirigindo um dos cinco curtas da antologia indie de horror em primeira pessoa da Magnet Releasing, V/H/S/2. Seu segmento, Safe Haven, que mostra as desventuras de uma equipe de repórteres que ao gravar uma reportagem dentro de uma uma escola acaba fazendo uma descoberta literalmente infernal, é disparado o melhor de todo o filme, e um dos melhores curtas de horror que vi em toda minha vida. Ou seja, nem preciso dizer que meu nível de ansiedade estava altíssimo esperando o que Evans traria a seguir em sua carreira. Seria Operação Invasão 3? Ou talvez um longa de horror?

Curiosamente, seu novo projeto meio que de certa forma incorpora elementos das duas vertentes. Apóstolo é um brutal exercício que transborda um nível insano de carnificina implacável, bem ao estilo do diretor, que constrói aqui um cenário de horror envolvido em uma jornada de violência e vingança.

Apóstolo nos apresenta ao seu protagonista, Thomas Richardson (O galã Dan Stevens, do excelente thriller O Hóspede (The Guest), cuja crítica campeã de acessos na internet você também pode conferir aqui no Portal do Andreoli), um homem que depois de muito tempo vagando sem destino, decide retornar para a casa de sua família, apenas para descobrir que sua irmã foi sequestrada por membros de um culto misterioso e levada sob resgate para uma remota ilha a qual os cultistas chamam de lar. Seu pai tem o dinheiro exigido para o resgate, e Thomas decide chamar para si a missão de viajar para a isolada sociedade batizada de Erisden, onde ele se infiltra no culto para encontrar as respostas sobre o paradeiro da irmã.

Logo as coisas se revelam mais complicadas do que pareciam, já que Thomas descobre que o culto está desesperado após uma série de colheitas ruins, além de uma praga inexplicável que faz com que o rebanho não consiga procriar. Eles precisam do dinheiro do resgate simplesmente para tentar sobreviver. Tal desespero acaba desencadeando uma sangrenta sequência de acontecimentos que colocam Thomas em uma perigosa espiral de fé abalada e verdades perturbadoras. O líder do culto (o excelente Michael Sheen, de Animais Noturnos, cuja crítica você também confere aqui no Portal do Andreoli), é um homem que deu as costas para a sociedade para começar sua própria civilização, livre da guerra, dos impostos e dos males da sociedade em geral. Ele afirma ser um profeta; a voz de uma misteriosa entidade conhecida apenas como “Ela”, cuja reverência de todos no local é obrigatória.

A primeira metade de Apóstolo é incrivelmente efetiva e tensa, repleta de mistérios cada vez mais estranhos que aos poucos o filme tenta elucidar. Cada novo enigma sinistro em torno do culto, seu líder e seus seguidores ajuda a criar um clima de curiosidade que permeia toda a primeira metade do filme. Porém, quando chega a hora de Evans começar a entregar as respostas, o diretor esquece a sutileza do suspense e embarca com tudo na brutalidade crua e desmedida. Evans literalmente decide banhar seu filme em querosene e tocar fogo em tudo.

No que diz respeito à violência, assim como em seus primorosos Operação Invasão, Evans não se segura. E em Apóstolo, ele prova que sua vocação para o visceral transcende as barreiras de gênero. Alguns momentos do filme são excepcionalmente brutais e explícitos, e suas mortes nunca ficam devendo em criatividade. Nas suas mãos, quando um personagem morre, morre por umas duas ou três encarnações. Algumas destas mortes tem de tudo: tortura, desmembramento, evisceração, e por aí vai. Os efeitos de gore são absolutamente fantásticos, assim como a fotografia de Matt Flannery, que é altamente eficiente tanto na captura do belíssimo cenário como nos detalhes da horripilante violência do filme. O evocativo score musical de Aria Prayogi e Fajar Yuskemal (colaboradores habituais de Evans), adiciona mais um elemento de excelência técnica à produção.

Infelizmente, entretanto, Apóstolo não é perfeito. O roteiro à cargo do próprio Evans dá umas derrapadas em alguns aspectos, deixando muito a desejar no desenvolvimento do arco dos personagens, soando muitas vezes apressado. A edição também poderia ser um pouquinho mais apurada, já que o filme tem alguns cortes abruptos e o produto final é um tanto longo demais para um filme que deixa diversas perguntas sem resposta. E já que estamos falando dos aspectos negativos do filme, preciso mencionar que há bastante violência contra animais no filme, o que pelo menos para mim, não é fácil de digerir. Se você for sensível à este tópico, então definitivamente Apóstolo não é para você.

Resumindo a parada toda, Apóstolo é meio que uma bagunça. Contudo, trata-se de uma bela e brutal bagunça que transpira a direção confiante de Evans e uma performance espetacular do cada vez melhor e mais surpreendente Dan Stevens, que remete bastante à sua perigosamente irresistível interpretação no citado thriller O Hóspede (também disponível na Netflix). A dor e o tormento de seu personagem são profundos, e o ator parece flutuar sobre a superfície de um interminável vazio, seu charme e humor desesperadamente tentando esconder a perturbação dentro do personagem. Stevens vai ao limite aqui, jogando com os extremos das emoções humanas. É um deleite acompanhar sua performance.

Apóstolo aborda os temas da fé e da vida em sociedade com coração, e com uma boa quantidade de insanidade também. Evans claramente se diverte infligindo todo tipo de tormento sobre seus perturbados personagens, e também criando uma rica mitologia para colocá-los no meio da ação. Trata-se de um horror sobre culto surpreendente e chocante, que mistura o legado de filmes como O Homem de Palha (The Wicker Man, 1973), com violência carnal e gritante, que deixa o público em um perpétuo estado de desconforto. Ao mesmo tempo, acelera o batimento cardíaco do espectador com sua trama implacável e provocante, mesmo quando tropeça em suas próprias ambições. E eu me coloco novamente na espera, ansioso pelo que virá a seguir na carreira de seu diretor. Por favor Deus, que seja Operação Invasão 3!!!

Apóstolo estreia no catálogo da Netflix HOJE, dia 12 de outubro.

5 respostas

  1. Adorei o filme Apóstolo. Gosto muito desse tipo de filme. Gostaria muito de saber o nome da música cantada no final do filme. Sei q os autores são Aria Prayogi e Fajar Yuskemal. Obrigada

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Compartilhe esta notícia

Mais postagens