Crítica: Climax (2018)

Climax

Há poucas semanas, publiquei aqui mesmo no Portal do Andreoli a crítica do filme A Casa que Jack Construiu (The House That Jack Built), nova empreitada do diretor dinamarquês Lars Von Trier. Lá, falei um pouco sobre o diretor, cujo nome está sempre associado à alguma polêmica relacionada ao seu cinema sem concessões. Se existe um nome que rivaliza com Trier neste quesito, é o do argentino radicado na França, Gaspar Noé, cuja filmografia não fica devendo em nada se comparada à do cineasta dinamarquês.

Sempre extremo, Noé é um diretor de mão extremamente pesada, que apoia seu cinema em cima do aspecto visceral da natureza explícita, seja esta natureza violenta ou sexual. Noé é o principal nome do New French Extremity, que para quem não conhece, trata-se de um movimento do cinema francês surgido no início da década passada, que traz uma concepção contestadora, explícita e extrema, e cujo principal exemplar até hoje permanece sendo o drama dantesco Irreversível (Irréversible, 2002), que por sua vez é dirigido por… obviamente, Gaspar Noé.

Não faltam porradas em sua filmografia, aliás, cada novo filme do diretor é aguardado por seus fãs justamente pelo fato de que com certeza, Noé brindará seu público com mais barbaridades de naturezas variadas. Desde seu desolador Sozinho Contra Todos (Seul Contre Tous, 1998), que discute abertamente o incesto entre pai e filha, passando pelo alucinatório Viagem Alucinante (Enter the Void, 2009), filme em que o diretor mostra um pênis ejaculando dentro de uma vagina (numa cena “filmada” de dentro da vagina em questão), e chegando até seu Love 3D, em que todas as cenas de sexo são reais e explícitas (e em 3d, vejam só!), Noé é certeza de voadora no peito do espectador. Sem falar no próprio Irreversível, que é hors-concours em todos os quesitos de sordidez, especialmente pelo fato de trazer a mais aterrorizante e revoltante sequência de estupro da história do cinema.

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E o argentino retornou mais uma vez com tudo este ano com seu Climax (FRA, 2018), um “filme de dança” que mistura a aura dos musicais ao estilo O Show Deve Continuar (All That Jazz, 1979) e Cabaret (1972), com o background de um Salò: 120 Dias de Sodoma (1975), aquela pedrada de revirar o estômago dirigida pelo também contestador cineasta italiano Pier Paolo Pasolini. Eu até consigo imaginar a o que se passou na cabeça de Noé: “estou pensando em dirigir um musical. Agora só preciso adicionar um pouco de auto-mutilação e orgias variadas”.

Supostamente baseado em fatos verídicos, o filme segue um grupo de dançarinos de um intenso curso em um instituto nos arredores de Paris. Após um importante ensaio, o grupo se mantém no local para uma polida celebração, até que a tigela de sangria (bebida a base de vinho semelhante a um ponche de frutas) do local é adulterada com alguma substância alucinógena desconhecida, colocando todos no instituto em uma espiral descendente em direção à mais pura psicose. Noé, como sempre, faz questão de capturar cada detalhe do pandemônio sangrento e promíscuo, e bem ao seu peculiar estilo, utilizando-se de movimentos de câmera ondulares e muita, MUITA música eletrônica.

O elenco, jovem e bonito, é liderado pela beldade nascida na Argélia Sofia Boutella (de Atômica, cuja crítica você também pode conferir aqui no Portal do Andreoli), e introduzido através de entrevistas, que ganham um incômodo ar confessional que prepara o terreno para o martírio físico e psicológico ao qual os personagens enfrentarão mais à frente na narrativa. O elenco é todo formado por dançarinos profissionais, com exceção de Boutella, cuja personagem é o mais próximo que o filme chega de ter uma protagonista central.

É claro que o enredo de Climax, repleto de sangue e drogas, é apenas pretexto para Noé criar o que é essencialmente um grande número estendido de dança, encenado em um único espaço que contém um salão central estilo vintage e uma rede de corredores paralelos todos iluminados em ameaçadores tons de verde e vermelho, numa clara alusão ao cinema de Dario Argento, mais precisamente Suspiria (que está ganhando um aguardado remake dirigido por Luca Guadagnino, do badalado Me Chame Pelo seu Nome), e Terror na Ópera (Opera, 1987).

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Com exceção da montagem de entrevistas no início do filme, tudo que os personagens fazem em cena é performance física: por exemplo, numa das melhores, mais morbidamente engraçadas e soberbamente coreografadas sequências do filme, Boutella tem suas mãos presas em suas coxas e ela reage como se suas mãos tivessem de alguma forma sido costuradas por baixo da pele. A trilha-sonora é outro expoente do filme, e inclui faixas de nomes fortes da techno music, como Daft Punk, Aphex Twin e MARRS, com seu hit Pump up the Volume.

Não há nada tão cabuloso (sim, usei este termo deliberadamente) neste Climax como por exemplo havia em Irreversível, ou algo tão explícito como em Love, porém o filme não desaponta em nenhuma das duas frentes: no que mais tarde vira motivo de puro horror para o público, a coreógrafa do grupo traz seu filho pequeno com ela, e a mera presença do garoto em meio ao caos que se instala no local é responsável por fazer o coração do espectador ir parar na boca do mesmo por diversas vezes ao longo da produção. Noé, diferentemente do que ocorreu em seus últimos trabalhos, mais precisamente Viagem Alucinante e Love, conseguiu criar um incômodo, repugnante, selvagem e sexy pesadelo cinematográfico de pura decadência e loucura. É sempre bom tê-lo de volta.

Climax estreia nos cinemas brasileiros no dia 31 de janeiro de 2019.

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