Crítica: Três Anúncios Para um Crime (Three Billboards Outside Ebbing, Missouri)

Um dos destaques da 41a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, este Três Anúncios Para um Crime (Three Billboards Outside Ebbing, Missouri, Reino Unido/EUA, 2017), seria um dos melhores filmes da carreira dos irmãos Coen, não fosse por um pequeno detalhe: O filme não é dos irmãos Coen. Apesar de beber bastante na fonte do cinema da dupla, Três Anúncios Para um Crime é um triunfo do diretor e roteirista inglês Martin McDonagh (do ótimo Na mira do Chefe), que sem dúvida entrega o melhor filme de sua carreira e um dos filmes mais brilhantes do ano, em todos os aspectos.

No filme, a excelente Frances McDormand (que não por acaso protagonizou a obra-prima dos Coen, Fargo) interpreta Mildred, uma recém-divorciada que perdeu sua filha, Angela, há menos de um ano. Angela foi estuprada e assassinada, e à medida em que o tempo passou e a polícia não encontrou o culpado, a investigação esfriou. Com razão, Mildred se revolta com a situação, e em um dia qualquer, ela repara em três outdoors vazios em uma estrada pouco utilizada do Missouri. Mildred então decide alugar o espaço para perguntar ao chefe de polícia local (o sempre ótimo Woody Harrelson), porquê não há mais respostas sobre o caso de sua filha. O caso chama a atenção da imprensa local, e esta atenção desencadeia uma série de eventos envolvendo não só o chefe de polícia, como também um de seus oficiais mais repugnantes, Dixon, interpretado pelo fantástico Sam Rockwell (À Espera de um Miilagre e Sete Psicopatas, também de McDonagh).

Três Anúncios Para um Crime já chega como meu favorito pessoal para a temporada de premiações do cinema no ano que vem. Com sua alegoria sobre o ódio/raiva, McDonagh não poupa ninguém. Tanto o público quanto seus personagens são colocados sob o estigma da morte prematura e suas desoladoras consequências, o que escancara o quanto todos nós, como indivíduos, somos falhos. Especialmente os personagens de McDormand e Rockwell, que já apanharam consideravelmente na vida e se condicionaram a nunca mais levar desaforo para casa. Mildred canaliza sua raiva de forma que a ajude a solucionar o assassinato de sua filha, enquanto que Dixon não sabe bem o que fazer com a sua.

A raiva inclusive, é praticamente uma energia palpável no filme de McDonagh. A máxima de que a aceitação e o perdão são a salvação não se aplica aqui, e o filme joga na mesa (e na cabeça do público) questionamentos do tipo “como não ficar irado com um mundo tão injusto como o nosso, que leva crianças antes dos pais, que permite que pessoas fiquem gravemente doentes; um mundo racista, sexista e cruel?”. E o mistério do que teria acontecido a Angela, que teria dominado outras versões desta história, na mão de McDonagh e seu afiadíssimo roteiro ganha contornos inimagináveis e contestadores.

O engajamento de todo o elenco deste Três Anúncios Para um Crime é absurdo. McDormand dá mais uma aula de interpretação, encarnando uma personagem extremamente bem desenvolvida e cujas nuances só poderiam ser totalmente capturadas por uma atriz com o talento descomunal de Frances. Atenção à cena em que a atriz simplesmente destrói um monólogo, em uma conversa com um padre que tenta oferecer alguns conselhos a Mildred. O sempre competente Woody Harrelson também está ótimo, mas Rockwell se destaca bastante aqui. No papel de um policial racista e violento, o ator aparece mais pesado e mais velho, e o arco de seu personagem é vital para o resultado final soberbo da produção. O elenco de apoio também é excelente, e conta com nomes como Peter Dinklage (o anão Tyrion da série Game of Thrones), Caleb Landry Jones (do excelente Corra!, cuja crítica você também confere aqui no Portal do Andreoli), Abbie Cornish (RoboCop, de José Padilha), Lucas Hedges (Manchester à Beira-mar) e John Hawkes (As Sessões, Mar em Fúria).

É claro que McDonagh merece muito do crédito não apenas por dirigir, mas também por oferecer à seu elenco papéis tão bem desenvolvidos dentro de um roteiro tão rico. Filmes que lidam com o tema da injustiça em Hollywood geralmente acabam optando pelo caminho mais fácil da resolução através da paz ou da esperança. No mundo de McDonagh não existem respostas fáceis, não há heróis nem vilões. Em determinado momento, o espectador começa a questionar Mildred e a defender Dixon. De certa forma, este é um às na manga do diretor McDonagh: subverter o conceito da narrativa dentro da cabeça de seu público.

O mundo é muito mais complexo do que o cinema nos faz acreditar, e é preciso um roteirista de enorme capacidade como McDonagh para conseguir transmitir esta sensação de maneira tão efetiva como ele o faz aqui. Para completar, McDonagh se refinou também como cineasta nos últimos anos, e seu trabalho técnico também se tornou impecável, especialmente na maneira com que ele usa o ótimo score musical de Carter Burwell (outro colaborador habitual dos irmãos Coen), e a fotografia equilibrada à cargo de Ben Davis (dos hits da Marvel Guardiões da Galáxia e Doutor Estranho, cuja crítica você também confere aqui no Portal do Andreoli).

Nem todo obstáculo que a vida coloca em nosso caminho nos ensina sobre tolerância. Uma filha nunca deveria morrer, muito menos de maneira brutal. Mas ao mesmo tempo, o que faríamos se houvesse este ensinamento? Como canalizar nossa raiva em relação à um mundo injusto? Três Anúncios Para um Crime é um daqueles raros filmes que conseguem ser simultaneamente profundos e realistas; inspirador sem ser manipulador. Pouquíssimos filmes recentes me fizeram rir e me emocionaram em medidas iguais como este aqui. Pouquíssimos filmes recentes conseguem ser tão bons. Os irmãos Coen aplaudem de pé, com toda certeza.

Três Anúncios Para um Crime estreia nos cinemas brasileiros no dia 25 de Janeiro de 2018.

3 respostas

  1. Um filme que vale a pena assistir tem grande história. Gosto muito os filmes de drama eles lidam com tópicos muito delicados e cotidianos que não devem ser negligenciadas. Eu assisti o filme O conto e ancho que é muito bom, tem uma história muito chocante, além de ter uma produção excelente, e o elenco faz um ótimo trabalho. Sem dúvida é umo dos melhores filmes de dramas para assistir, boa história e elenco, achei um filme ideal para assistir e refletir, recomendo muito.

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