Crítica: Estrada Sem Lei (The Highwaymen) | 2019

The Highwaymen

Em 1934, Clyde Barrow e Bonnie Parker dirigiam seu carro quando foram emboscados na cidade de Bienville Parish, na Louisiana. Eles haviam ido até lá com a intenção de ficar na moita por um tempo, enquanto visitavam um dos membros de sua famigerada gangue. Uma equipe de policiais e dois Texas Rangers abriram fogo no casal de ladrões enquanto o carro percorria uma das estradas da região. Quando Bonnie e Clyde foram abatidos, o casal já havia performado uma onda de crimes que já durava mais de dois anos, e sua fama os havia transformado em anti-heróis, uma espécie de Robin Hoods modernos.

Imortalizados na telona pela dupla Warren Beatty e Faye Dunaway no clássico Uma Rajada de Balas, filme dirigido por Arthur Penn em 1967, Bonnie e Clyde ganharam uma imagem inesquecível na interpretação da dupla, que passou a ser vista como belos, jovens e completamente homicidas. Quanto aos dois homens da lei do estado do Texas responsáveis por mandar o casal para o beleléu, pouco se sabe fora de certos círculos. Mesmo que um deles seja simplesmente o mais lendário Texas Ranger da história da organização.

Novo filme do bom diretor John Lee Hancock (Fome de Poder, cuja crítica também está disponível aqui no Portal do Andreoli), Estrada Sem Lei (The Highwaymen, EUA, 2019), tenta retificar esta situação. O filme não veio para glorificar ainda mais as figuras de Bonnie e Clyde, mas sim para enterrá-los, ou ao menos parte de seus mitos. Estrada Sem Lei procura focar nos verdadeiros heróis, e não nos anti-heróis desta história. A produção luta para dar a Frank Hamer (Kevin Costner) e Maney Gault (Woody Harrelson), o lugar que merecem dentro dos livros de história, e a maneira mais clássica e tradicional com que retrata os fatos irá agradar bastante boa parte do público e frustrar outra.

O que é indiscutível, entretanto, é que realmente são os mocinhos o destaque neste Estrada Sem Lei, que em nenhum momento chega sequer perto de romantizar as figuras de Bonnie e Clyde. Como sempre, Costner se encaixa como uma luva no papel de homem da lei, onde sua presença sempre imponente é capaz de intimidar a bandidagem apenas com um olhar. Basta lembrar de seu Elliott Ness do clássico Os Intocáveis, ou seu Wyatt Earp no filme de mesmo nome. Assim como outro veterano grisalho, Kurt Russell, não existe ator melhor para interpretar experientes cowboys ou agentes da lei. Aliás, o que eu não daria para ver estes dois juntos num bom e velho western…

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Em Estrada Sem Lei, é difícil não ver seu personagem, um ranger aposentado que precisa voltar ao dever, como uma espécie de cão farejador ao estilo Elliott Ness. Definitivamente um dos pontos mais altos do filme é ver Costner encarnar seu estilo Gary Cooper de atuação que ele mesmo aperfeiçoou, e adicionar um toque de senioridade à ele. Inclusive, dá para dizer o mesmo sobre seu recente seriado exibido no ano passado, o excelente Yellowstone.

O outro destaque é sem dúvida a dobradinha que ele forma com seu companheiro de cena, o excepcional Woody Harrelson, que no filme interpreta o antigo parceiro de Frank, o irreverente e também rabugento Maney Gault. Muito mais do que um alívio cômico, Gault é o típico estereótipo do caipira que os federais da cidade adoram menosprezar, só que não. Ele é o Ying e Hamer é o Yang, um tira capaz de enfiar a cabeça de um vagabundo na privada ao mesmo tempo em que funciona como a voz da consciência de seu parceiro, relembrando seu amigo do peso de suas escolhas morais. Algumas sequências envolvendo a interação entre Costner e Harrelson trazem nuances que o restante do filme não oferece. Eu trocaria boa parte das cenas em que a dupla faz batidas em estabelecimentos ou corre atrás de suspeitos por mais diálogos entre os dois. Simplesmente não há o que pague ver estes dois juntos em cena.

Não é uma coincidência o fato de que as faces dos foras-da-lei são raramente vistas, ou que as câmeras obscurecem suas silhuetas ou os mantém fora de foco; eles já tiveram seu momento frente aos holofotes, é o que o filme sugere. Quando o público finalmente consegue dar uma boa olhada nos gangsters do filme, é porque chegou a hora de concluir a tensão crescente que abastece toda a narrativa da produção. Em partes, este artifício funciona para enfatizar que Bonnie e Clyde eram apenas jovens impressionados com a própria fama, um produto da rebeldia contida de seu tempo. Todo o glamour que o filme de Penn mostra em torno do casal de assaltantes, é completamente obliterado aqui.

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Os holofotes em Estrada Sem Lei (se é que eles existem), são todos realmente voltados para o belo trabalho de Costner e Harrelson em cena. Outras qualidades da produção a serem apreciadas são as boas aparições de outros nomes experientes no elenco, como W. Earl Brown (da série Preacher), e o ótimo John Carroll Lynch (do citado Fome de Poder), assim como o excelente design de produção que retrata os anos trinta com perfeição, e também a fotografia classuda de John Schwartzman (Seabiscuit: Alma de Herói).

Para os mais conservadores (como eu), Estrada Sem Lei entrega a perfeita vibe de “Lei e Ordem” que o cinema hoje tem deixado bastante de lado, infelizmente. O filme faz o que é necessário para destacar as ações dos valiosos homens que deram fim ao reinado de crimes de Bonnie e Clyde, além de lembrar ao espectador que Robin Hood nunca atirou à queima-roupa na cara um atendente de posto de gasolina por causa de quatro míseros dólares.

Estrada Sem Lei estreia HOJE (29/03) no catálogo da Netflix.

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