Crítica: Ilha de Cachorros (Isle of Dogs) | 2018

Wes Anderson, ame ou odeie, é um dos poucos diretores do cinema atual que pode ser chamado de autor. Seu peculiar cinema nasce de sua autenticidade e originalidade latentes, tão bem demonstradas em filmes como O Grande Hotel Budapeste (The Grand Budapest Hotel, 2014) e Os Excêntricos Tenenbaums (The Royal Tenenbaums, 2001). Outro destes filmes, consiste na fascinante animação O Fantástico Senhor Raposo (Fantastic Mr. Fox, 2009), onde Anderson utiliza-se de figuras animadas que teoricamente só poderiam fazer sentido se utilizadas em alguma fábula infantil, mas que no filme do diretor, questionam o status quo e a humanidade. Mais precisamente, o que supostamente nos fazem humanos, os únicos seres “racionais” do planeta Terra (as aspas foram intencionais).

De volta às animações, Anderson desta vez decide falar não só sobre o homem, mas também sobre seu melhor amigo e fiel escudeiro: o cão. Ilha de Cachorros (Isle of Dogs, ALE/EUA, 2018), é uma animação estilizada, incomum, e caracterizada por um humor irônico e extremamente seco. Esta fábula em stop-motion ambientada no Japão é linda de se ver, repleta de intrincados detalhes visuais. Além disso, a produção lida com alguns temas pesados, como limpeza étnica, fascismo e corrupção, contudo, o filme o faz de maneira idiossincrática.

Ilha de Cachorros se passa em um futuro próximo, onde uma epidemia dizimou boa parte da população canina, promovendo uma massiva onda de histeria anti-cachorros. Kobayashi, o prefeito linha-dura da futurística cidade de Megasaki, decidiu banir todos os pobres cãezinhos para a “Ilha do Lixo”, onde eles terão de lutar para sobreviver nas mais duras circunstâncias. Mesmo os cachorrinhos de estimação agora vivem como vira-latas entre enormes montanhas de lixo, brigando uns com os outros por restos de comida e transformando-se em animais cada vez mais fracos, tristes e nervosos. Enquanto isso no continente, alguns dos donos dos cachorros banidos estão lutando por eles. Um deles, Atari, um garoto de 12 anos, sobrinho de Kobayashi, e cujos pais faleceram em um acidente alguns anos atrás, decide embarcar em uma corajosa jornada em um pequeno avião até a ilha, em busca de seu amado cachorro Spot.

O roteiro do próprio Anderson é estruturado de maneira um tanto complicada, inserindo flashbacks e múltiplas subtramas além da narração do velho cão Júpiter (o veterano F. Murray Abraham, do clássico Amadeus). Anderson e companhia ainda encontram tempo para incluir elaboradas e coreografadas sequências envolvendo lutas de sumô, preparação de sushi e até de um transplante se rim. Em certos momentos, o hipnótico score do vencedor do Oscar Alexandre Desplat (de A Forma da Água, cuja crítica você encontra aqui no Portal do Andreoli), pega pesado nos tambores marciais e dá à ação uma vibe de um antigo filme de samurai do mestre Kurosawa. Anderson também é inventivo com a linguagem, transitando entre o inglês e o japonês, e nem sempre fornecendo a tradução para o inglês.

Na ilha, os cachorros estão sempre se metendo em alguma briga, algumas delas bem violentas. Orelhas são arrancadas fora na base da mordida, e alguns animais terminam com horríveis cicatrizes. Sempre que dois bandos se engajam em alguma disputa, a coisa fica realmente feia, mas Anderson mostra apenas uma nuvem de poeira. Pêlos voam, e vários latidos e uivos são ouvidos. E mesmo neste mundo triste e violento, surgem algumas faíscas românticas, especialmente quando a glamourosa poodle Nutmeg (voz da musa Scarlett Johansson), passeia pelo lixão.

Longe de seus donos, os cachorros começam a desenvolver sua própria forma de democracia canina. Chief (voz do sensacional Bryan Cranston) é o típico macho alfa, um vira-latas que não obedece à ninguém e está sempre pronto para uma briga. Os outros cães, entretanto, gostam de tomar suas decisões através do consenso. Nos momentos mais perigosos, eles tomam o tempo para debater qual plano de ação devem seguir, para irritação de Chief. Um dos animais mais cativantes da ilha é a pequeno pug, Oracle (dublado pela esquisita Tilda Swinton), que aparentemente consegue ver o futuro (mas na verdade, a cadelinha consegue entender o que está sendo dito no noticiário de uma velha TV do local, e por consequência, aprendeu a transmitir para seus companheiros a previsão do tempo). É ou não é genial? Hehe…

Como sempre, Anderson cuida de cada detalhe visual de sua produção. Em qualquer cena do filme, aleatoriamente, nota-se a presença de ratos correndo ao fundo, ou carrapatos circulando na pele dos cachorros, ou mesmo uma pétala ou folha presa ao pêlo dos animais. Tal olho para o detalhe é parte também da narrativa da produção, já que além da jornada de Akira em busca de seu cachorro, temos também uma sub-trama envolvendo Kobayashi e seus colegas políticos, que parecem ter uma preferência pelos gatos, o que indica a suspeita de uma conspiração felina em torno da exclusão dos cães de seu habitat no continente.

Como nem tudo é perfeito, Ilha de Cachorros sofre um pouco com sua alternância de tons. Momentos puramente cômicos, como um cachorro tomando banho e fazendo as unhas ou um garoto passeando por um parque de diversões abandonado, caminham lado a lado com cenas sombrias e opressivas em que Kobayashi e seus seguidores se comportam como Stalin e seus capangas. Para mim também não ficou muito claro porque o filme se passa no Japão, afinal de contas. Mas, assim é a cabeça de Wes Anderson; nem sempre tudo pode ser explicado.

Independente disso, Ilha de Cachorros possui um charme considerável. Anderson constrói uma animação inteligente e confrontadora, de concepção visual ousada e carregada de boas intenções. Anderson é claramente um admirador dos cães, e o filme fala ao coração de todos que compartilham da paixão do diretor por nossos queridos amigos peludos. Eu, como sou um destes admiradores, adorei o filme.

Ilha de Cachorros estreia nos cinemas brasileiros no dia 14 de Junho.

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