Crítica: Mudbound: Lágrimas Sobre o Mississipi (2017)

Em minha crítica do filme Os Meyerowitz: Família não se Escolhe (The Meyerowitz Stories: New and Selected), publicada há algumas semanas aqui mesmo no Portal do Andreoli, ressaltei a nova e bem-vinda tendência da toda-poderosa Netflix em se preocupar com o teor cultural de seus produtos. De início uma produtora e serviço de streaming voltada apenas para a difusão e criação de conteúdo voltado para as massas, hoje a Netflix parece cada vez mais se engajar na produção e aquisição de obras de cunho mais relevante e voltado ao público adulto.

Mais uma prova desta nova (e esperemos que duradoura) fase da Netflix, foi a aquisição deste drama de época Mudbound: Lágrimas Sobre o Mississipi (Mudbound, EUA, 2017), produção exibida e ovacionada no Festival de Sundance deste ano, e que marca o segundo filme da roteirista e diretora Dee Rees, cujo filme de estreia, o forte Pariah, foi aclamado pela crítica quando exibido em diferentes festivais no ano de 2011. Mudbound é um drama ambicioso, cujo roteiro é fragmentado sob diversos pontos de vista, dos diferentes personagens e seus respectivos arcos narrativos.

A ambição de Rees e sua produção fica nítida logo de início, quando permite aos seus personagens múltiplas narrações, que interligam suas histórias. Um destes personagens é Laura (Carey Mulligan, do drama As Sufragistas, 2015), uma mulher tímida que se apaixona pelo ambicioso Henry (Jason Clarke, de Os Infratores, 2012), que a leva para viver em uma fazenda arruinada, onde sempre está chovendo. Outro narrador é Jamie (Garrett Hedlund, de Tron: O Legado, 2010), irmão de Henry, que retorna da Segunda Guerra Mundial como um homem destruído, viciado em bebida, mas cujo bom coração é notado por Laura. Outro jovem que sobrevive à incursão na Alemanha Nazista apenas para ser recebido em seu país pela pobreza e racismo é Ronsel (Jason Mitchell, do ótimo Straight Outta Compton: A História do N.W.A., 2015), o filho mais velho de uma família de humildes trabalhadores rurais, interpretados por Rob Morgan (do feroz Brawl in Cell Block 99, cuja crítica você também confere aqui no Portal do Andreoli), e pela cantora Mary J. Blige, que apesar da pobreza e dificuldades que enfrentam, continuam a manter viva a esperança de conseguirem um pedaço de terra para chamar de seu.

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Baseado no livro da escritora Hillary Jordan, Mudbound compõe um rico e dramático mosaico de personagens. Rees e seu co-roteirista Virgil Williams nunca perdem o tracking das narrativas de seus múltiplos personagens, mesmo com todas as alterações de períodos, perspectivas e cenários. A narrativa discorre com propriedade por temas como família, alcoolismo, racismo, as síndromes do pós-guerra, e sobre como é difícil lutar pelo tal “sonho americano”, especialmente no sul dos EUA da década de quarenta. Trata-se de uma história poderosa, em que Rees consegue transmitir a força da emoção de sua obra, que conecta-se plenamente com o público. Mudbound é o típico filme que poderia soar como mais um drama de época genérico, entretanto, nunca comporta-se deste modo.

Além de seu sólido roteiro, a produção carrega diversos outros méritos. A fotografia monocromática e granulada de Rachel Morrison (do drama Fruitvale Station, 2013), captura com plenitude o duro e estéril cenário ao seu redor, assim como o figurino e cenários, totalmente autênticos e realistas. A edição primorosa de Mako Kamitsuna (do thriller Hacker, 2015) é impecável, costurando com fluidez os fios narrativos de seus múltiplos protagonistas. É uma edição que se confirma como séria candidata a premiações.

E é claro, Rees também faz um belo trabalho com seu elenco. Todas as performances, até as menores, funcionam de maneira inesquecível em seu filme. Hedlund transpira charme e credibilidade em cada cena, especialmente quando seu personagem retorna da Alemanha. Mitchell, Mulligan, Morgan e Blige, todos entregam atuações fortes e autênticas, em concordância total com a atmosfera do filme.

Os espectadores excessivamente exigentes podem até argumentar que há muita coisa acontecendo ao mesmo tempo em Mudbound. Mesmo com seus 132 minutos de duração, o filme é tão densamente preenchido com plots, personagens e mudanças de período, que o público menos treinado pode sentir-se um tanto quanto sobrecarregado. Entretanto, Rees nunca perde sua pegada firme no material. Com Mudbound: Lágrimas Sobre o Mississipi, a diretora deixa de ser uma promessa e se confirma como uma cineasta completa, que entrega aqui um filme singular e fantástico.

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Mudbound: Lágrimas Sobre o Mississipi estreia no catálogo da Netflix no dia 17 de Novembro.

https://www.youtube.com/watch?v=xucHiOAa8Rs

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