Crítica: Papillon (2018)

Papillon

Eu sei, eu sei… mais um remake na praça. Mas antes de sair destruindo esta refilmagem do bom filme de Franklin J. Schaffner dirigido em 1973 e baseado nas memórias do próprio Henri “Papillon” Charrière, peço que dê uma chance ao filme. Melhor ainda, dê um voto de confiança a este que vos escreve, leia esta crítica com a mente aberta, e então decida se vale a pena investir o seu tempo na produção. Já adiantando alguma coisa para vocês, garanto que valerá o investimento.

Para quem não viu a mencionada adaptação original do diretor Schaffner ou não conhece a história do protagonista, Charrière era um ladrão e arrombador de cofres que após cometer um terrível erro, é sentenciado à prisão perpétua. Como se o termo prisão perpétua já não fosse suficiente, Charrière ainda é enviado para cumprir sua pena em uma colônia penal situada em uma ilha na Guiana Francesa, um verdadeiro buraco infernal sem fundo onde apenas o mais forte de corpo e espírito é capaz de sobreviver. Durão e teimoso, Charrière não pensa em passar o resto de sua vida apodrecendo no local, e ao lado do desengonçado (e supostamente rico) falsário Louis Dega, planeja uma fuga considerada impossível.

Parece inacreditável, mas é verdade: este novo Papillon (EUA/ESP/Rep. Tcheca, 2018), consegue melhorar o filme original em diversos aspectos. Tudo bem que o filme de Schaffner nunca chegou a ser considerado um clássico, mas com certeza é um filme dotado de qualidades excepcionais, a principal delas sem dúvida é sua inesquecível dupla de protagonistas, interpretada pelos legendários Steve McQueen e Dustin Hoffman. Aqui, ainda que sem o brilhantismo da dupla original, os carismáticos Charlie Hunnam (Círculo de Fogo e Rei Arthur: A Lenda da Espada) e Rami Malek (da série Mr. Robot e do vindouro Bohemian Rhapsody, onde interpretará o genial Freddie Mercury), substituem com competência e talento à McQueen e Hoffman respectivamente, e ambos entregam performances muito acima da média de suas carreiras.

O diretor e documentarista dinamarquês Michael Noer e o roteirista Aaron Guzikowski (do excelente thriller Os Suspeitos, 2013), abordam as memórias de Charrière de maneira diferente do que foram retratadas no filme de Schaffner, e é aí que esta nova versão ganha força e trilha seu próprio caminho. É quase como se Noer e Guzikowski tivessem criado uma diferente espécie de história de amor, ou como a moçada gosta de falar hoje em dia, um “bromance”, onde a parceria entre Papillon e Dega pode até começar como algo necessário e útil para os dois, mas que legitimamente floresce em uma espécie de amor platônico. Inseparáveis por necessidade, eles eventualmente encontram a si mesmos no bem-estar do outro, mesmo que em detrimento de seus próprios.

Este novo olhar sobre a relação entre estas duas almas sofridas pode até parecer pequeno, sutil, mas faz uma enorme diferença junto ao público. Pois se os personagens se importam uns com os outros, também se importa o espectador para com eles. E esta é a grande diferença entre um veículo de Hollywood dos anos setenta estrelando o badass Steve McQueen e esta experiência cinematográfica capaz de abraçar a nuance e a compaixão mesmo em um filme com altos níveis de testosterona, estrelado por um elenco todo masculino.

Também ajuda o fato de que Noer volta um pouco sua narrativa para que seu público conheça melhor o protagonista, coisa que o filme original não fazia. Desta forma, o público se torna capaz de gostar dele e enxergá-lo como um criminoso com alma e coração. É mais difícil esta identificação do espectador ocorrer com o filme original, ainda que o passado do protagonista se torne cada vez mais irrelevante uma vez que seu martírio fica cada vez mais insuportável.

Outra melhoria desta versão são as caracterizações. Ao invés de criar estereótipos, o roteirista Guzikowski adiciona complexidade à receita. O Dega de Malek é um homem cujo medo constante que carrega só não é maior do que sua improvável coragem, diferente do excessivamente pessimista personagem interpretado por Hoffman no filme de 73. O mesmo acontece com o Papillon muito mais humanizado de Charlie Hunnam; ele não é um assassino e age de acordo, apesar de estar disposto a fazer o que for necessário para garantir a si mesmo e seus amigos. Hunnam empresta um bem-vindo humor sarcástico à sua performance, o que aumenta seu apelo junto ao público e o faz ser muito mais do que um clichê.

É interessante observar que aqui Papillon não só está interessado em garantir seu “bem-estar” mas também o de seu amigo. Noer e Guzikowski deixam claro que o estoque de dinheiro escondido de Dega não é infinito, então Papillon não tem outra escolha a não ser se aliar ao falsificador com legítima compaixão. Sempre que os dois ficam separados por um período de tempo, seus reencontros são retratados com genuína alegria.

O resto do que se vê no filme remete à estrutura do original, onde parece que o roteiro da produção segue uma série de tragédias cada vez mais deprimentes (os termos “prisão perpétua” e “exílio” podem levar o indivíduo à loucura), mas nenhuma delas tenta parecer pior do que realmente é, apenas para aumentar a dramaticidade. O filme trata seus personagens com a inteligência que merecem, enquanto o público sofre ao vê-los sendo testados ao limite e além. Noer não está interessado nos elementos sedutores da mítica jornada de Papillon, mas sim em suas suculentas entrelinhas, que falam muito mais sobre a condição humana do que se imagina.

Com seu Papillon, ao invés de fazer um filme sobre o quanto nossos corpos podem suportar, Noer procura retratar as distâncias que nossos corações podem percorrer. As dificuldades e a dor da jornada de Papillon são, portanto, permitidas para que culminem em um senso de propósito e esperança. Não é sobre o que estes prisioneiros podem suportar, mas sim sobre como eles se recusam a perder suas essências no processo.

Papillon estreia nos cinemas brasileiros no dia 04 de Outubro.

6 respostas

  1. Não posso falar nada do remake, pois ainda não assisti. Eu acho o seguinte, que pelo menos em teoria, todos os remakes teriam uma certa “obrigação” de serem melhores do que os originais. Digo isso porquê depois que um filme foi feito, ainda mais um filme antigo, fica fácil apontar as falhas e alguns erros. Então, pelo menos em teoria, os remakes teriam sim que melhorar as tais falhas de uma produção original antiga. Mas é lógico que nem sempre isso acontece. E considero a produção original de 1973 um clássico.

  2. Uma boa crítica! Mas na minha opinião se define em duas palavras esse remake… (Totalmente ridículo)! Assim como o remake de desejo de matar. Infelizmente já não existe mais criatividade e com isso tentam redicularizar o que de bom foi feito mas… Mesmo assim não conseguem. Charles Bronson , Steve McQueen… são insubistituiveis! Únicos! Podem tentar refilmar 30000000000000 que jamais! Jamais! Chegarão ao menos perto dos clássicos originais citados.

    1. A questão de um remake não é superar o original, e sim contribuir para o legado do filme. Nao vejo problema algum em remakes, aliás deve ser uma grande honra para um diretor fazer isso. Mas muitas pessoas infelizmente não conseguem analisar desta forma.

  3. Eu li o livro, vi o filme clássico e assisti o remake.
    Tanto no original quanto no remake, a amizade de Louis Dega e Papillon é superestimada. Embora nos filmes, ambos são inseparáveis, no livro após a fuga no dia do cinema, Dega e Papi são separados. A partir disso, Dega apenas ajuda Papillon a sobreviver através de seu financiamento à distância.
    A amizade de Papillon, Maturette e Clousiot (que foi subtraído do remake e substituído por Celier) é muito mais forte, já que os 3 fugiram juntos e se embrenharam na mata, conheceram os leprosos e depois fugiram por mar.
    O livro foca mais na vida de Papillon mostrando como ele é um lider nato, um verdadeiro homem justo que onde vai, deixa um legado de honestidade e vontade de liberdade.
    No livro existem histórias tão fantásticas, como quando ele viveu entre os índios, teve duas esposas, filhos com elas, tatuou o chefe da tribo.
    No remake, fiquei esperando ele “dar uma de desmemoriado” para cima do Diretor, capítulo que sempre me faz rir, dizendo que não lembra quando entrou na cadeia.
    Além do mais, o remake consegue ser tão lento quanto o filme original, o que eu até entendo, mas se tirassem as partes onde os personagens ficam calados se olhando e substituíssem por cenas de fugas (já que o personagem é conhecido por estar sempre em fuga).

  4. O ‘remake’ que aconteceu foi para transformar uma curta amizade entre dois homens em um suposto romance homossexual entre os mesmos.

    Mesmo que isso tenha ocorrido de verdade nas vidas destes cidadãos, não deveria haver esta divergência da estória original, por parte destes novos cineastas. Deveria ser respeitado o roteiro original do livro de Henri.

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