Crítica: Passageiro Acidental (Stowaway) | 2021

Nos idos da minha adolescência, mais precisamente no ano de 1996, assisti a uma sci-fi bem bacaninha feita para a TV chamada Equação Fria (The Cold Equations), que mesmo sem maiores credenciais, prendeu minha atenção principalmente graças à sua esperta premissa. Mais tarde, fui descobrir que o filme era um remake de um episódio da terceira temporada do revival da clássica série Além da Imaginação, exibido no ano de 1989. Curiosamente, esta mesma história, criada pelo desconhecido Tom Godwin já tinha rendido dois episódios de séries distintas em 1955 e 1962. A história ainda ganhou uma refilmagem amadora em 2011 de nome “The Stowaway” (O Clandestino, na tradução livre), além de um curta-metragem de mesmo nome lançado em 2014.

A história que rendeu todas as adaptações acima citadas é na realidade bem simples: Num futuro próximo, um piloto de uma pequena nave espacial viaja para um planeta distante com a missão de entregar uma importante vacina para os colonizadores que lá estão. Algumas horas depois de sua partida, ele descobre uma passageira clandestina, escondida no meio da carga que está sendo transportada. Sem poder retornar para a Terra e sem oxigênio suficiente para duas pessoas aguentarem até o destino final, o piloto e a passageira precisam correr contra o tempo para descobrir como sobreviver à agoniante viagem.

É muito curioso, portanto, que esta nova produção da pomposa Netflix nem sequer mencione a história de Godwin, já que este Passageiro Acidental (Stowaway, EUA, 2021, 116 Min.), é praticamente mais uma refilmagem do conto. Não há nenhuma referência nos créditos da produção, nem nos inicias e nem nos finais, com toda a história sendo creditada ao roteiro de Ryan Morrison em parceria com o diretor Joe Penna, que é brasileiro. Juntos os dois entregaram o ótimo thriller de sobrevivência Arctic (2018), e na minha crítica do filme aqui mesmo no Portal do Andreoli, eu falo sobre as origens deste diretor brasileiro que agora faz sucesso em Hollywood.

São poucas as diferenças entre o roteiro de Penna e Morrison e a história criada por Godwin. Aqui, não se trata de uma nave de carga de origem qualquer, mas sim de uma missão de dois anos da Nasa rumo à Marte, integrada por três oficiais, a Comandante Marina Barnett (Toni Collette, de Hereditário), a médica pesquisadora Zoe Levenson (Anna Kendrick, de O Contador), e o biólogo David Kim (Daniel Dae Kim, da série Lost). No início da viagem, a tripulação descobre que um dos técnicos, Michael Adams (Shamier Anderson, da série Wynonna Earp), ficou preso em um dos compartimentos da nave, o que provoca uma situação inédita na história das viagens espaciais e que muda totalmente a dinâmica da missão. Porém os problemas não param por aí, já que um tempo depois, a espaçonave sofre uma avaria, tornando evidente o fato de que a nave não será capaz de sustentar a vida de seus três tripulantes, mais a vida de seu passageiro clandestino.

Apesar do evidente ripoff que Passageiro Acidental é, não vou desmerecer as qualidades da produção, que é tecnicamente impecável. O filme segura bem a mensagem central sobre comunidade, sobrevivência e sacrifício, além de trabalhar bem os níveis de tensão da narrativa, coisa que Penna e Morrison já haviam feito muito bem em seu filme anterior. O filme, que mantém seus quatro personagens centrais isolados do mundo, é algo que coincidentemente soa bastante atual. O que soa mais relevante não é o isolamento da situação, mas sim o estímulo àquela parte do cérebro do espectador que está relacionada à resolução de problemas, justamente a parte que estava tão vigorosamente ativa nos primeiros meses de pandemia. O filme é praticamente um guia para resolução de problemas, que surgem um atrás do outro na narrativa. Quando você pensa que resolveu um, surge outro ainda pior.

O elenco ajuda muito a elevar o nível do material. Apesar de não gostar muito da bonitinha-mas-ordinária Anna Kendrick, a atriz está bem na produção, interpretando a “mais humana” dentre os membros da tripulação. A única voz dissidente que acha que a melhor opção é tentar voltar para a Terra. Já Toni Collette é a segurança de sempre, no papel da Comandante a quem o espectador acompanha sem pestanejar. São delas as decisões mais difíceis que devem ser tomadas, o que leva à decisão final da tripulação, que conclui o filme da forma que deveria terminar, sem fugir pela tangente. Apesar de sua natureza nada original, Passageiro Acidental é a melhor sci-fi recente lançada pela Netflix. Isso não quer dizer muita coisa (vide o recente O Céu da Meia-Noite), mas ao menos dá prosseguimento de maneira sólida à carreira do brasileiro Joe Penna em terras estrangeiras.

Passageiro Clandestino estreia amanhã. 22 de abril, no catálogo da Netflix.

**O conteúdo e informação publicado é responsabilidade exclusiva do colunista e não expressa necessariamente a opinião deste site.

*Imagens: Netflix.

 

2 respostas

  1. Mano na certeza de não me decepcionar li sua crítica e me deu segurança de ver, e mais cho que o filme foi além, fala de tudo ali, de racismo, da mulher empoderada etc…tive também o trabalho de “achar” na Net The Cold Equations para curtir e depois comparar, mas vale a pena sim além da atrizes presentes que dispensam comentário!

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