Crítica: Ready or Not (2019)

O divertido Ready or Not (EUA, 2019), não é bem o tipo de filme que um selo como a Fox Searchlight (distribuidora do filme), costuma lançar. Conhecida por suas prestigiosas produções indie, como Pequena Miss Sunshine e O Último Rei da Escócia, o último filme relevante de horror do estúdio, que eu me lembre, foi o excepcional Mortos de Fome (Ravenous), lançado no longínquo ano de 1999, e que deu um tremendo prejuízo com sua fraca bilheteria, graças principalmente ao marketing equivocado para o lançamento do filme. Este tipo de aposta se torna ainda mais inusitada se lembrarmos da recente fusão Disney/Fox, que deve abortar diversas produções do gênero em prol de mais algum remake insuportável das animações do estúdio do Mickey Mouse.

O que é uma pena, porque se houvessem mais exemplares do estilo deste Ready or Not por aí, o cinema em geral seria muito mais divertido. Afinal, trata-se da melhor comédia de terror (o famoso “terrir”) que eu vejo em anos. Morbidamente engraçado, e recheado de baldes e baldes de gore que irão agradar aos fãs mais hardcore do gênero, Ready or Not coloca a equipe de cineastas conhecida como Radio Silence (da ótima antologia de horror Southbound, 2015) definitivamente no mapa, enquanto que sua estrela, a estonteante Samara Weaving (dos thrillers cômicos A Babá e Mayhem: Um Dia de Caos, cuja crítica também está disponível aqui no Portal do Andreoli), também ganha acesso à galeria dos nomes mais promissores do cinema atual.

Weaving interpreta Grace, uma jovem e radiante noiva que acabou de se casar com o herdeiro de uma família milionária, que fez sua fortuna através dos jogos de tabuleiro. Porém, antes de ser aceita como uma nova integrante da família, ela é forçada a escolher um destes jogos para sua “iniciação”, e quando ela escolhe participar de uma brincadeira de esconde-esconde aparentemente inocente, ela descobre que esta versão do jogo consiste nela sendo caçada pela família de seu noivo, toda fortemente armada, e que devem matá-la antes do amanhecer, como parte de um pacto satânico estabelecido há muitos anos por seus ancestrais.

A premissa do filme é uma interessante mistura de thrillers de ação como O Alvo (Hard Target, 1993), Sobrevivendo ao Jogo (Surviving the Game, 1994) e Você é o Próximo (You’re Next, 2013), com uma pitada de Agatha Christie e mais um punhado de sátira para dar um gostinho a mais. Grace está casando com um herdeiro para ter uma vida boa, é claro, mas ela genuinamente não o faz pelo cínico desejo de ser rica. Ao invés disso, Grace, que viveu toda sua infância em um orfanato, deseja ter uma família para chamar de sua, o que a leva a cometer o erro de levar seu amado, Alex (Mark O’Brien), de volta para a casa da família dele.

E que família! O patriarca, Tony (Henry Czerny, da série Revenge), é o típico sangue azul, enquanto que o filho pródigo, Daniel (Adam Brody, de Garota Infernal), é um alcoólatra cuja esposa é uma interesseira. Sua irmã, Emilie (Melanie Scrofano), é uma viciada cujo marido, Fitch (Kristian Bruun), é um preguiçoso imprestável. A pior de todas, entretanto, é a demoníaca tia Helene (Nicky Guadagni), e apenas a matriarca, Becky (a sumida Andie MacDowell, de Feitiço do Tempo e Quatro Casamentos e um Funeral), parece ser relativamente sã.

Uma vez que a caçada começa, o filme é impulsionado por uma ideia central de que, se Grace sobreviver, as vidas de todos seus caçadores serão ceifadas. Entretanto, o roteiro de Guy Busick e Ryan Murphy deixa o tempo todo em aberto se a família realmente faz o que faz por causa do tal pacto satânico do qual fazem parte, ou se na verdade eles formam apenas uma família muito rica e entediada cuja sanidade já foi embora faz tempo, o que também seria perfeitamente plausível. A produção move-se de uma sequência de ação para outra, sempre com bastante humor permeando a narrativa, que brinca várias vezes com o fato de que o vestido de noiva branco de Grace vai ficando cada vez mais manchado de gore à medida em que o filme progride.

A única parcela do público que talvez se decepcione com Ready or Not é aquela mais fanática pelo terror e que prefere uma abordagem mais arroz com feijão do gênero. O objetivo aqui é obviamente priorizar muito mais a comédia do que o horror, ainda que o nível de gore chegue nas alturas em boa parte do filme. Weaving, além de ser um colírio para os olhos, está ótima no papel da heroína, bem semelhante ao seu papel no citado Mayhem, diga-se de passagem. O britânico Mark O’Brien também se destaca num papel repleto de nuances do noivo que se divide entre o amor de sua vida e a auto-preservação, mas quem rouba a cena, entretanto, é Adam Brody, no papel do filho fracassado que não compactua muito com a ideia de caçar e matar o que parece ser uma jovem mulher perfeitamente decente.

Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett (que formam a trupe batizada de Radio Silence), também mostram um refinado tato ao dar à produção um sinistro look banhado à luz de velas que faz o filme parecer um daqueles thrillers antigos da Universal Pictures, assim como o score musical de Brian Tyler, que é memoravelmente excêntrico. No geral, Ready or Not é um verdadeiro presente surpresa para os fãs de horror, e tem tudo para se tornar cult nos próximos anos.

Ready or Not está programado para estrear no Brasil no dia 22 de agosto, mas esta data pode ser alterada.

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