Crítica: The Lodge (2019)

The Lodge
Riley Keough appears in The Lodge by Veronika Franz and Severin Fiala, an official selection of the Midnight program at the 2019 Sundance Film Festival. Courtesy of Sundance Institute | photo by Thimios Bakatakis. All photos are copyrighted and may be used by press only for the purpose of news or editorial coverage of Sundance Institute programs. Photos must be accompanied by a credit to the photographer and/or 'Courtesy of Sundance Institute.' Unauthorized use, alteration, reproduction or sale of logos and/or photos is strictly prohibited.

Em 2015, o thriller austríaco Boa Noite Mamãe (Goodnight Mommy/Ich seh ich seh), fez tamanho boca-a-boca na internet que acabou até ganhando um lançamento nos cinemas brasileiros meses depois. A estreia da dupla de diretores e roteiristas Veronika Franz e Severin Fiala é de fato um suspense de roer as unhas, e se estabeleceu como um dos grandes títulos do gênero naquele ano. O segundo filme da dupla, este The Lodge (UK/EUA, 2019), já começa a mil por hora mostrando um suicídio em detalhes horripilantes, que evidencia que Franz e Fiala mais uma vez não não estão de brincadeira.

The Lodge ressuscita muitos dos inquietantes elementos do filme anterior da dupla: Duas crianças presas em uma casa numa área remota, com as circunstâncias em torno de sua situação se estendendo em ambiguidade e uma sensação palpável de temor. Os irmãos em Boa Noite Mamãe eram malvados, dementes e assombrados pelo passado; as crianças em The Lodge, entretanto, podem ser qualquer uma destas coisas ou nenhuma delas, à medida em que os diretores propõem intermináveis jogos mentais à plateia, até o ponto dos mesmos se tornarem vazios, o que se reflete também nos sustos do filme, que vão perdendo força progressivamente. Isso não quer dizer que o filme não tenha uma intrigante premissa ou a mesma atmosfera deliciosamente sombria que fez de Boa Noite Mamãe um suspense tão impressionante.

Depois que Richard (Richard Armitage, de Pilgrimage, cuja crítica está disponível aqui no Portal do Andreoli), diz para sua esposa, Laura, (Alicia Silvertone, de O Sacrifício do Cervo Sagrado, cuja crítica também está disponível aqui no Portal do Andreoli), que ele quer o divórcio, ela calmamente vai para casa, coloca uma arma na boca e estoura os miolos, numa cena dirigida com primor tétrico pela dupla Franz e Fiala. Os enlutados filhos do casal, Aiden (Jaeden Lieberher, de It: A Coisa, cuja crítica também está disponível aqui no Portal do Andreoli), e Mia (Lia McHugh), mal têm tempo de se recuperar do choque e o pai anuncia seus planos de se casar com sua nova namorada, Grace (a beldade Riley Keough, de Noite de Lobos, A Casa que Jack Construiu, Under the Silver Lake e Ao Cair da Noite, cujas todas as críticas estão disponíveis aqui no Portal), que por sua vez, há um tempo atrás, escapou de um culto evangélico extremista que serviu como tema de um dos livros de Richard.

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As crianças mostram pouco interesse na nova namorada do pai, mas Richard procura encontrar uma maneira de aproximar Grace e seus filhos, e assim acaba separando um tempo para que todos possam passar alguns dias juntos. Entretanto, Richard escolhe para o local das pequenas férias a mesma cabana de inverno onde a mãe das crianças explodiu a cabeça. Obviamente, esta não é a melhor das ideias, mas quando Grace chega ao local, ela tenta ao máximo se entrosar com as crianças. Entretanto, não demora muito para este retiro na neve comece a realmente se tornar uma má ideia.

Na primeira vez em que Richard deixa Grace sozinha com seus filhos na cabana, Aiden começa a demonstrar seu ressentimento com relação à nova namorada do pai, e quando Grace surpreende o garoto a espiando no banho, The Lodge deixa a pista de que talvez Aiden seja a real ameaça da trama. Grace confronta o garoto mas a discussão não chega a lugar nenhum, e depois de uma reviravolta bizarra e possivelmente sobrenatural no meio do filme, The Lodge estabelece um estimulante trio de interpretações: Ou Aiden está provocando Grace, ou ela está provocando o garoto, ou todos eles são vítimas de algum tipo terrível de perpetrador.

A expressão perplexa de Keough durante boa parte do filme sugere que sua personagem ainda se recupera de seu trauma do passado, e o filme gradualmente se aprofunda em sua mente perturbada e elabora sobre o dano: Como as crianças logo descobrem, ela tem a tendência de vagar pela cabana à noite, caminhando como sonâmbula enquanto enfrenta pesadelos e ameaçadoras vozes que mandam ela se arrepender de algo. É aqui que Fiala e Franz mostram mais uma vez o talento para fazer sinistras revelações através de uma série de imagens surpreendentes. Um alarmante momento mostra Grace acordando no meio da neve, cercada pela escuridão; em outro momento, ela se imagina em um campo vasto e vazio, e imagens que remetem à anjos ao redor.

Estes momentos subjetivos poderiam preencher um filme inteiro, e eles quase preenchem mesmo, já que The Lodge parece mais contente em criar um clima inquietante do que apresentar algo substancial. Quando o filme alcança sua primeira hora, uma reviravolta bizarra muda a natureza dos personagens e os coloca em uma luta pela sobrevivência, acelerando um pouco a narrativa. Contudo, The Lodge transita entre várias possibilidades ao longo da maior parte de sua narrativa, e falha em desenvolver o suficiente seu trio de personagens centrais, a ponto das condições de suas lutas não serem dignas do mistério que está em jogo. Aiden e Mia soam como crianças esquizofrênicas, enquanto que o complicado passado de Grace não traz profundidade o suficiente para se tornar um núcleo central da produção. Isso faz com que o público aos poucos perca o interesse no que possa vir a acontecer com eles ao longo do filme.

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Visualmente, contudo, o filme impressiona. O cenário minimalista cria uma impressão assombrada semelhante à do ótimo Os Outros (Alejandro Amenábar, 2000), com pitadas do formalismo preciso que fez com que o horror Hereditário (Hereditary, cuja crítica também está disponível aqui no Portal do Andreoli), se tornasse um assustadoramente imersivo expoente do gênero no ano passado. A fotografia de Thimios Bakatakis, cujos créditos incluem o esteticamente similar O Sacrifício do Cervo Sagrado, dá ao material uma finesse visual extraordinária. A cabana cercada de neve, que parece habitar em uma imensidão branca de esquecimento, encontra sua alma gêmea nos sombrios e estreitos corredores por onde Grace vaga depois que escurece.

Mas à medida em que os personagens se tornam cada vez mais desesperados com relação ao isolamento, The Lodge não tem muito o que fazer com eles além de jogar novas e perturbadoras reviravoltas para aumentar a sensação de que suas opções estão acabando. Há um temor genuíno na performance de Keough, no papel de uma problemática mulher que luta para conter seu trauma antes que o mesmo destrua a todos, mas o filme deposita fé demais em suas habilidades de carregar o material nas costas.

Em um dado momento, Aiden sugere que talvez eles estejam presos no limbo, forçados a permanecer na cabine até que confessem seus pecados. Assistindo a The Lodge, fica fácil se identificar com este sentimento de aprisionamento. Este é um crédito às claustrofóbicas tendências do filme em seus melhores momentos, mas à medida em que a produção segue sua trajetória sem um rumo definido, The Lodge prova que mesmo aterrorizantes acontecimentos podem ser um tédio.

The Lodge não tem previsão de estreia no Brasil, e deve chegar ao país diretamente através de serviços de streaming e VOD.

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