Crítica: The Perfection (2019)

The Perfection

A melhor coisa do Fantastic Fest, festival de cinema fantástico que ocorre anualmente na cidade de Austin, no Texas, é que a cada edição um filme aparece na surdina e surpreende o público completamente. The Perfection (EUA, 2019), dirigido por Richard Shepard (de bons suspenses como O Matador e Dom Hemingway), definitivamente é este filme. The Perfection é um demente e desconfortável conto de obsessão e vingança que puxa o tapete do espectador pelo menos três vezes em seus enxutos 90 minutos de duração, antes de entregar uma imagem final tão perturbadora quanto hilária.

Sem querer empolgar-me demais na exacerbação dos meus elogios ao filme e sem querer fazer algum tipo de trocadilho, preciso dizer que The Perfection é o mais perto de um filme perfeito que você irá encontrar por aí durante um bom tempo. Trata-se um um pequeno e insano filme que mais do que merece ser encontrado pelo grande público, ainda que não seja indicado para os mais impressionáveis. Minha intenção era escrever esta crítica logo após assistir ao filme, tamanha minha empolgação. Entretanto, decidi esperar para garantir que eu não seria hiperbólico ao escrevê-la. Mas a questão é que já se passaram alguns dias e o filme não saiu da minha cabeça, então, lá vai.

O filme conta a história de Charlotte (a bela Allison Williams, a namorada psicopata do thriller Corra!, cuja crítica também está disponível aqui no Portal do Andreoli), uma prodígio do violoncelo que acaba forçada a abandonar sua promissora carreira para cuidar de sua mãe doente. Dez anos depois, ela decide procurar seu mentor, Anton (Steven Weber, da adaptação para a TV de O Iluminado) e sua nova pupila, Lizzie (Logan Browning, da série Cara Gente Branca), com o intuito de testemunhar a vida a qual ela teve de abrir mão. Uma vez que os localiza, entretanto, Charlotte coloca em ação um perturbador plano (acreditem, o plano é BRABO mesmo!) que levará todos os envolvidos ao limite extremo.

Isso é realmente tudo o que você precisa saber sobre The Perfection, que vem sendo chamado de “O Cisne Negro do violoncelo”, ainda que esta seja uma definição bastante simplificada do que este complexo filme realmente é. A produção é similar a outros exemplares do horror bizarro e extremo, como o cabuloso Mártires (Martyrs, 2008), por exemplo, contudo seu plot é muito mais trabalhado, mudando de direção diversas vezes ao longo de sua duração. É o tipo de filme que dá um bocado de trabalho para o marketing promover sem revelar segredos e outros pontos importantes da trama, e até eu estou me policiando muito aqui para não fazer o mesmo. A melhor maneira de se assistir ao filme é sabendo o menos possível sobre ele, apenas o essencial.

Tanto Williams quanto Browning estão estupendas aqui. Browning, que se destacou na série da própria Netflix Cara Gente Branca, infere em Lizzie uma magnética combinação de inocência e rebeldia, antes de sua vida ser virada de ponta-cabeça. Ela faz o contraponto perfeito com Williams, que aqui é dona absoluta do show. Sua Charlotte é um personagem tão complexo que simplesmente chamá-la de vilã seria um desserviço ao filme. Williams habilmente faz uso da associação de seu papel de garota rica na série Girls, mas ao mesmo tempo emula sua deturpada Rose do thriller Corra!. Apesar de Rose também ser uma garota rica, Williams só podia transmitir uma fração da real ameaça de sua personagem em algumas poucas cenas do filme. Em The Perfection, o material realmente permite que Williams deite e role no papel, em uma performance fascinante e incrivelmente convincente. Webber está igualmente bem no papel do mentor das garotas, mas falar mais sobre seu personagem adentraria o território dos spoilers.

O diretor Shepard já carrega uma certa experiência no que diz respeito a comédias de humor-negro, mas nada tão insano quanto The Perfection. Trabalhando com um roteiro co-escrito por Eric C. Charmelo e Nicole Snyder (de diversos episódios da série Supernatural), Shepard casualmente pega emprestado alguns elementos visuais de vários outros clássicos. O visual do filme é outra tremenda qualidade, e assim como costuma fazer Quentin Tarantino, Shepard divide seu filme em quatro capítulos (e seria fácil supor que se trataria de uma antologia, se os capítulos não trouxessem os mesmos personagens e narrativa). Cada capítulo tem seu próprio tom, fazendo com que esta experiência cinematográfica seja deveras chocante, no sentido mais deturpado da palavra.

The Perfection permanece com o espectador muito após seus créditos finais. O filme choca e surpreende de maneira consistente, além de trazer uma série inacreditável de reviravoltas, capaz de fazer girar a cabeça do público. Trata-se de um filme fabulosamente insano que simplesmente não cabe em um só gênero, funcionando como horror, comédia, um suspense sobre vingança, um estudo de personagem, um terror podreira e muito mais. The Perfection evoca filmes emblemáticos como Atração Mortal (Heathers, 1988), o citado Mártires, os pauleiras Audition (1999) e Oldboy (2003), e mesmo assim consegue manter sua própria identidade. A maneira demente com que defende seu tema central pode até repelir uma parcela mais impressionável do público, mas caso você tenha estômago, não perca este The Perfection. Trata-se da materialização de seu próprio título.

The Perfection estreia dia 24 de Maio no catálogo da Netflix.

4 respostas

  1. Caramba! Li a crítica e fui ver o filme ( apesar do sono e do adiantado da hora)… Nossa!…voltei só para agradecer! Filme excelente e sua crítica não ficou atras, pois despertou a curiosidade sem dar spoilers! Muito obrigado pela crítica, cada vez mais fâ do portal do Andreoli! Abraço!

  2. Sua crítica resume toda estratégia usada pelo filme. Ele é impressionantemente elaborado, não deixou-me saber de nada que ocorreria nele. Surpreendo todo tempo. Parabéns!

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