Quando se fala em M. Night Shyamalan, o sentimento é um pouco ambíguo. Ao mesmo tempo que o diretor é lembrado por grandes sucessos cuja qualidade cinematográfica é inquestionável, como o famoso ‘O Sexto Sentido’ (1999) e o suspense ‘A Visita’ (2015), há também, em sua filmografia, alguns desastres fílmicos quase imperdoáveis, como ‘O Último Mestre do Ar’ (2010) e, mais recentemente, o vergonhoso ‘Tempo’ (2021).
Com uma leva de filmes tão controversa, foi difícil saber o que esperar de seu mais novo lançamento nos cinemas, ‘Batem à Porta’ (2023); mesmo assim, como a maioria das produções de Shyamalan, este tem uma premissa interessante o suficiente para instigar grandemente o público a assisti-lo. Imagine o seguinte cenário: você e sua família vão passar as férias em uma cabana isolada no meio de uma floresta, que não possui sinal de celular. De repente, quatro estranhos fortemente armados invadem sua casa, amarram sua família e pedem, com convicção, que vocês escolham entre si um membro da família para morrer, alegando que, caso essa escolha não seja feita, o mundo sofrerá o Apocalipse e a humanidade será completamente exterminada.
É a partir desse enredo que o filme se desenvolve, acompanhando o casal Eric (Jonathan Groff) e Andrew (Ben Alridge), junto com sua filha, Wen (Kristen Cui), de apenas sete anos, enclausurados na cabana junto com os quatro invasores, que afirmam ter tido visões sobre o fim do mundo e que, a única maneira de impedir é o sacrifício genuíno de um dos integrantes da família. Naturalmente, o que se espera de um contexto nesse perfil é a predominância dos sentimentos de tensão e medo, muito essenciais para criar um bom clima de suspense, no entanto, o roteiro é tão simplório que a falha na construção do que, na teoria, deveria ser um suspense, é no mínimo grotesca.
Na prática, a direção acaba abrindo mão, em diversos momentos, do suspense, para focar nas questões pessoais das personagens. Isso não seria ruim se não definisse praticamente o filme inteiro e fosse apresentado de maneira extremamente superficial, ao ponto de esvaziar as próprias discussões que propõe. A discussão sobre a homofobia e a violência contra pessoas LGBTQIA+, tão séria e importante, é explorada de forma muito rasa e pouco relevante para o próprio roteiro, ainda que muitas cenas se versem sobre isso.
Um exemplo muito claro disso é o momento em que um dos personagens relembra o momento em que foi agredido em um bar por ser homossexual, e menciona ter precisado de muita terapia por conta disso. Mas os efeitos práticos dessa violência na vida desse homem são mostrados somente de passagem, sem detalhar o quanto esse acontecimento o afetou, uma abordagem não muito razoável se a intenção é sensibilizar o público para uma questão tão séria. Ainda que o gênero seja suspense (ou, nesse caso, tente ser), é possível discutir temas sensíveis com profundidade, e um bom exemplo disso é ‘O Homem Invisível’ de Leigh Wanell. Sem esse aprofundamento, a abordagem perde muito do próprio significado.
Em contrapartida, o que realmente eleva o nível da carga dramática que a história pretende alcançar são as atuações fantásticas do elenco, que consegue carregar boa parte do filme nas costas. Groff e Alridge funcionam perfeitamente em tela como casal, um com sua personalidade mais amável, calma e acolhedora, outro mais lógico e reativo. Esse contraste, que é muito bem trabalhado pelos atores, ajuda o espectador a duvidar de si ao ouvir opiniões divergentes sobre o que estaria acontecendo naquela cabana, fator muito determinante para quem assiste a um filme do gênero.
As atuações do elenco, como um todo, são pilar de sustentação para que a história consiga se sustentar de modo instigante, aliadas ao questionamento principal do filme que mantém o interesse até o fim; afinal, estariam mesmo aqueles estranhos falando a verdade sobre o Apocalipse ou teriam entrado em algum tipo de surto coletivo? – A ânsia para descobrir a resposta também é um dos pontos mais fortes e positivos do filme. Ainda assim, o final decepciona.
Dito tudo isso, será que vale mesmo a pena assistir a esse filme? A verdade é que depende muito do que você vai ao cinema esperando ver. Como suspense, ‘Batem à Porta’ decepciona profundamente; mesmo que consiga entreter e instigar, o mistério e a tensão quase não se sustentam por si só. Já como um drama funciona melhor, e mesmo assim, as reflexões sobre fé e homofobia acabam sendo muito vazias e mau trabalhadas. O resultado do conjunto é um filme que até consegue divertir, mas parece ter sido gravado com muita pressa.
De maneira geral, uma premissa muito boa parece ter sido desperdiçada por Shyamalan em uma produção que não consegue ultrapassar os limites da mediocridade. Apesar de tudo, em comparação com as últimas bombas do diretor, a história atinge um grau de razoabilidade dentro dos limites do aceitável.
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Imagens: Foto Divulgação do filme Batem à Porta