Fábio Muniz: A vida e os seus paradoxos e mistérios.

Hoje eu começo citando o teólogo e filósofo do século IV Agostinho de Hipona “Fizeste-nos, Senhor, para ti, e o nosso coração anda inquieto enquanto não descansar em ti.”

Bom dia! É bom estar aqui com cada um de vocês ainda que o fuso horário nos separe e um imenso oceano nos ponha distantes um do outro do ponto de vista geográfico…

No entanto, eu me sinto pertinho de você enquanto escrevo esta coluna…

Veja bem. Você me permite fazer uma pergunta? Posso ser sincero? Você me responderá com toda franqueza e honestidade?

Você alguma vez ficou cara a cara com algo na existência e não sabia o que dizer? Portanto, você teve a coragem de responder “Eu não sei…”

Eu acredito que a coisa mais difícil para nós, seres humanos, egoístas, narcisistas, “donos da verdade”, com as nossas disputas ideológicas, partidárias, teológicas ou culturais, é inegavelmente admitir que não temos todas as respostas e podemos aprender uns com os outros…

Aliás, eu tinha apenas 17 ou 18 anos quando a vida começou a me trazer gente que enxergou em mim um porto seguro, um cara que estava pronto para escutar a idiossincrasia de um indivíduo visto como “maluco beleza” ou a calamidade existencial de uma jovem que não encontrava apoio dos seus pais e compreensão dos seus amigos mais próximos…

Eu era simplesmente alguém “pronto” para acolher e abraçar a todos sem preconceitos e “pré-juízos” ainda que não tivesse as marcas da experiência da vida vivida na sua dor e intensidade…

Pois bem, eu nasci e cresci em um ambiente cristão e provavelmente devido à este “carisma” não demorou muito para que notassem em mim alguma capacidade para liderar, ensinar, falar em público, escrever, aconselhar, cuidar e responder perguntas…

Talvez você me diga, “Fábio, o que esta introdução tem a ver com a coluna de hoje?”

Calma. Obrigado pela tua paciência. Eu deveria fazer este preâmbulo simplesmente para começar afirmando que as perguntas mais difíceis que eu tenho respondido não vieram dos grupos acadêmicos que eu tenho transitado nestes últimos 25 anos, nem dos grupos ecumênicos e religiosos que tenho conhecido em diversos países, nem são as possíveis e complexas perguntas que surgem nos acompanhamentos espirituais que faço…

Aliás, elas não vieram tampouco do “mundo do business” que vivi até os meus 40 anos de idade. Pelo contrário, as perguntas mais difíceis vieram, tem vindo, e vêm da minha filha de 7 anos que se chama Sophia. Acredite se quiser!

Isto posto, tenho que humildemente confessar que muitas vezes a minha resposta é…

“Eu não sei, Sophia. Papai não tem uma resposta…”

E você? Você tem?

Uma mãe de 85 anos que enterra o seu único filho de 42 anos e chora porque o ciclo natural da vida diz que ela deveria partir primeiro, mas ela é quem está sepultando aquele que sempre foi o seu “menino”. Um câncer avassalador que traz uma metástase e ceifa a vida de um pai de 35 anos e deixa a esposa e dois filhos. Uma menina cheia de vida com 5 anos de idade é vítima de uma bala perdida no Rio de Janeiro. Eu poderia seguir…

Qual é a resposta para os paradoxos e mistérios da vida?

Com todo o respeito aos meus amigos kardecistas que me lêem, eu poderia dizer que a resposta se encontra na reencarnação. Com todo o respeito aos meus amigos hinduístas que me lêem, eu poderia dizer que a resposta se encontra no carma e processo de purificação. Com todo o respeito aos meus amigos cristãos que me lêem, pois é desta escola que venho, eu poderia dizer que Deus é soberano e tudo cooperará para o bem daqueles que amam a Deus.

Ora, eu quero ser honesto. Eu quero ser sincero. Eu sei até aonde a minha mente, a ciência, a filosofia podem chegar. No entanto, todavia, porém…

Há um lugar de silêncio na existência que é indubitavelmente inalcançável do ponto de vista humano, e portanto, eu devo me render a simples e humilde resposta do “Eu não sei…”

De modo que se o indivíduo não entrar na esfera do paradoxo e mistério da vida, ele poderá se tornar amargo, ele poderá se tornar um ateu com todas as raivas e ódios de um “Deus brincalhão” que mais parece aquela caricatura de um homem velho de barba branca pronto para castigar quem não lhe obedece.

Você sabe do que eu estou falando…

Eu sei que estou falando com você hoje.

Ou talvez se não é o teu caso, você provavelmente conheça alguém assim. De qualquer forma, certamente você está familiarizado com o que escrevo aqui…

Eu conheço muita gente que a imprevisibilidade da vida atropelou a sua família, a sua carreira, as suas amizades, o seu casamento, e o sujeito ficou todo esfolado e ferido.

A culpa é do outro. A culpa é de Deus. A culpa é de ter nascido. A culpa é da cultura. A culpa é do governo. A culpa é desde sempre terceirizada…

O casamento faliu. A filhinha mais nova foi acometida de uma doença incurável. O pai se divorciou da mãe. O filho sucumbiu na droga e se atolou na bebida…

– “Papai porque aquele rapaz que está atravessando a rua tem apenas uma perna”? Pergunta a minha filha Sophia.

– “Olha filha. Pode ser que ele tenha nascido assim. Pode ser que tenha sido um acidente. Pode ser que…” Eu começo a dizer todas as possíveis e lógicas razões calmamente enquanto a Sophia me ouve com muita atenção.

– “Mas papai, e este rapaz que está pedindo comida na rua?” A Sophia continua olhando ao redor e fazendo perguntas sinceras e inocentes.

– “Olha filha. Eu acho que ele é um refugiado. Ele deixou o país dele forçosamente, ele não sabe falar Francês, ele não tem uma casa em Lyon…” Eu sigo tentando explicar coisas complexas e que não tem uma resposta matemática e exata.

– “Mas papai, porque há guerras? Onde ele morava? Porque não param as guerras e vivem em paz? Não é legal o que estão fazendo lá tanto quanto não é legal derrubar as árvores para ganhar dinheiro na Amazônia enquanto os passarinhos estão perdendo os seus ninhos, os bichinhos tem que fugir também.” A Sophia ainda segue.

– “Não está bem, papai”. Dito isto, a Sophia sabiamente faz a leitura da vida mesmo sendo uma criança de 7 anos. Leitura na qual milhares de seres humanos adultos, acadêmicos, estudados não são capazes de fazê-la.

– “Olha filha. Você tem razão. Mas, o papai não sabe. O papai não tem todas as respostas. No entanto, parece que muitos destes problemas tem a ver com o homem.” Eu olho para o seu rostinho com muito carinho e sigo dizendo.

– “Isto mesmo…Infelizmente tem a ver com o coração do homem. Com o egoísmo e a sua ambição de ter, querer, poder e possuir.”

Foi com 4 anos de idade que quase perdi a minha vida em Valinhos. Fui brincar na piscina. Tentei agarrar um brinquedinho e caí…

Lá de dentro daquela piscina imensa, tentava alcançar um cano para sair dela e não me afogar. “Quase tarde demais”…

De fato, é a cena mais longínqua que a minha memória possui. Por uma fração de segundos desmaio. Alguns segundos antes, talvez “um anjo” tenha cutucado a minha prima Eliane que percebeu a minha ausência na mesa e saiu correndo para me procurar…

Era neste sítio lindo em Valinhos que eu e a minha irmã passávamos muitas das nos-sas férias de verão. Talvez seja a única foto que tenho da piscina que brincávamos tanto juntos, mas que acidentalmente quase perdi a vida.

Na semana passada, ela me disse que me via já boiando com a aparência de alguém que já estivesse morto…

Não sei ao certo qual foi o momento, mas por uma outra fração de segundos através das águas eu a vi pulando para me salvar.

Aliás, a minha querida tia que nunca tinha feito curso de primeiros socorros, e segundo a minha prima, era “ignorante” nestes assuntos, pelo amor, carinho e instinto humano começou a fazer uma respiração boca a boca, e afinal, me fez renascer.

De modo que é por isso que talvez eu viva a vida tão intensamente. Eu sei que renasci…

E porque eu estou dizendo isto?

Telê Santana e seus comandados: uma equipe que não ganhou, mas encantou o Brasil e o mundo.

Pois bem, foi em 1982. Durante a Copa do Mundo na Espanha. Na era do tão querido Telê Santana. Da seleção canarinho: Sócrates, Zico, Toninho Cerezo, Éder e Falcão. Eu acompanhei cada jogo…

Você acredita que de todas as seleções e Mundiais, foi este Mundial na Espanha que está mais vivo na minha memória.

Da esquerda para direita: o papai, eu e a minha querida irmã Alessandra. Em pé: a minha prima Eliane, a tia Nilza e a mamãe. Estávamos em Brasília. Por volta de 1982, ano da Copa do Mundo na Espanha. Mesmo eu sendo Palmeirense da Móoca, se nota a influência mágica do Zico 🙂 Foi neste período que descobri a perda completa da minha audição esquerda.

Eu tinha apenas 7 anos de idade. Apesar da alegria de uma criança. Apesar da paixão pelo futebol. Apesar da inocência de um garoto que tinha a mesma idade que hoje a minha filha Sophia tem, eu acabara de descobrir que não ouvia nada com o meu ouvido esquerdo.

– “Mamãe, eu não ouço nada quando cubro o meu ouvido esquerdo com a minha mão”. Eu falava para a minha mãe enquanto ela me olhava assustada.

– “Como assim meu filho?” Ela me perguntava. De modo que até hoje eu me lembro dos primeiros testes que ela mesma fez para comprovar que eu estava completamente surdo de um ouvido.

Não preciso ir muito longe. Mas quero dizer que no dia que foi feito a tomografia no meu ouvido esquerdo, era o jogo tão esperado entre o Brasil e a Itália…

Eu me lembro quando saímos de casa e o Brasil tinha que virar a partida. Eu me lembro que quando chegamos no hospital, as ruas estavam vazias e na sala de espera a televisão estava ligada. Eu me lembro que quando terminou o exame, corremos o máximo que pudemos, e chegamos em casa. O Brasil tinha empatado o jogo, até que o gênio carrasco Paolo Rossi terminou com o sonho de uma das seleções mais brilhantes que o Brasil já conheceu….

A vida tem os seus mistérios e paradoxos. Até hoje não se sabe como eu fiquei surdo de um ouvido. Até hoje os médicos dizem que poderia ter sido uma infecção de ouvido. Até hoje alguns dizem que poderia ter sido a minha experiência de “quase afogamento”. Até hoje a minha resposta é “Eu não sei…”

Mas, eu aprendi a viver na existência com os mistérios e paradoxos para não me amargurar.

Aprendi a entrar no mundo dos negócios e ter apenas um ouvido para entrar e sair de reuniões. Aprendi a estudar idiomas e ter apenas um ouvido para prestar atenção nas diferenças de sotaques e melodias. Aprendi a música com a debilidade de alguém que fez multiplicar os esforços para vencer os “não sei” da jornada existencial.

Aliás, hoje com 45 anos de idade. É uma “maravilha” ser surdo de um ouvido:-) As crianças podem chorar o quanto quiserem. Se é a vez da Johnna cuidar delas. A minha esposa já sabe…

Eu coloco o ouvido bom no meu travesseiro, e “Em paz me deito…” durmo como um bebê, não ouço nada 🙂

A minha esposa já sabe, se ela não está do lado certo quando fala comigo, ela não tem desculpas caso eu não a entenda…:-)

Pois bem, eu hoje fico por aqui. Eu te convido a viajar nesta trilha dos mistérios e paradoxos da vida onde não serão poucas as vezes que humildemente deveremos nos render a uma simples resposta: “Eu não sei…”

De todas maneiras, nos rendemos as sábias palavras do filósofo e teólogo Agostinho mais uma vez, “Fizeste-nos, Senhor, para ti, e o nosso coração anda inquieto enquanto não descansar em ti.”

Da esquerda para a direita: as crianças são a minha irmã, eu e as minhas lindas priminhas Carla e Carolina. Os adultos são a mamãe, a minha linda tia Yolanda que me salvou, a vovó Luiza Pérsico, o titio Roberto, e os meus queridos primos Carlinhos e Roseli.

Um beijo grande a todos vocês.

Até a próxima!

Fábio Muniz

Lyon, França

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2 respostas

  1. Ultimamente é preciso ter coragem para dizer sinceramente que “não sabemos” alguma coisa. Deveria ser uma coisa normal, pois somos humanos e limitados, não é possível saber tudo, mas por orgulho ou medo, não admitimos que não sabemos todas as coisas. Precisamos aprender sempre e ser humildes, sabendo ou não as coisas.
    Continue escrevendo, as reflexões nos ajudam a pensar…..
    Abraço,

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