Lilian Schiavo: Trocas intergeneracionais

No convite do evento virtual estava escrito: ”Quem não vive para servir, não serve para viver”, organizado pelo Comitê de Empreendedorismo Feminino.

Para completar, “Projeto As Vestideiras”.

Pronto, aguçou minha curiosidade!

Qual o fio da meada que une tudo isso?

Começamos ouvindo a história contada por uma “mocinha” sorridente de 20 e poucos anos que um dia foi viajar para conhecer a população ribeirinha do Amazonas, ela queria fazer alguma coisa diferente e resolveu levar vestidinhos para presentear as meninas da comunidade.

Não foi uma viagem de turismo, foi uma viagem de descobertas…

Antes de partir, ela que nem sabia pregar um botão, resolveu mobilizar um grupo de costureiras voluntárias para confeccionar as roupas.

Queria presentear as meninas com um vestidinho, acreditava que poderia aumentar a autoestima delas com uma roupa nova e colorida, colocar um sorriso nos rostos de crianças que talvez sofressem algum tipo de violência ou abuso. Queria mostrar que alguém de fora se importava com elas e com suas vidas.

Saiu do interior de SP com a mala recheada de presentes e o rosto marcado por uma alergia que resistia aos tratamentos, chegou no Amazonas como voluntária para fazer de tudo um pouco: mutirão de construção, apoio aos médicos e dentistas no tratamento das pessoas, ajudou na cozinha, na escola, em todos os lugares que a chamavam… conclusão, a alergia passou e ao retornar para casa sua mãe se admirou com a pele lisinha e sem manchas ou cicatrizes. Pelo jeito, fazer o bem funciona como remédio para o corpo e para a alma.

Voltando aos vestidos, no início os modelos eram bem simples, um trapézio de pano com alças costuradas que passaram a tubinhos regatas, vestidinhos com mangas, com comprimentos variáveis, conforme a região os modelos foram diversificando e atualmente ela também confecciona blusas e bermudas para os meninos que antes ficavam tristes ao ver que não ganhariam presentes.

Além das roupas ela também cria ações pontuais arrecadando material escolar, kits de higiene, brinquedos e alimentos.

Ao se apresentar para nosso grupo que é composto por mulheres de idades variadas, algumas sênior, a Natalia, esse é o nome dela, contou que estava com frio na barriga ao palestrar para pessoas tão experientes e com idades tão diferentes da dela.

No final, foi ela que nos deu uma lição de compaixão, maturidade, altruísmo, solidariedade e sabedoria.

A Natália quando criança passou por um grave problema de saúde, seu coração estava quase enfartando e os médicos não sabiam o que fazer. Sua mãe ajoelhou no chão do banheiro e pediu um milagre para Deus… Ele ouviu e ela foi curada.

Um dia, num acampamento, a Natália despencou de uma tirolesa num acidente que segundo os médicos tinha poucas chances de sair viva, mas ela saiu ilesa acreditando que anjos da guarda estavam ao seu redor.

Neste momento, entendemos o significado do título do evento, ela dedica sua vida para servir e relata o que recebe de volta. Se engana quem pensa que uma vida dedicada ao próximo é uma vida de sacrifícios e tristezas, essa jovem demonstra uma alegria e uma força incríveis, sua fé é inabalável e sua felicidade é tão concreta que dá a impressão que se você chegar perto vai poder pegar um pedaço e levar para casa.

Ficou demonstrada a importância das trocas intergeneracionais. Se você voltar ao início da história, eu pensava que estava na frente de uma menina mocinha que estava intimidada com as imponentes senhoras presentes, mas no decorrer da conversa ela se transformou numa gigante e nós em alunas que aplaudem a professora.

Num grupo que tem pessoas de todas as idades é visível perceber as mudanças e inovações que essa troca de conhecimentos e experiências proporciona, somos provocadas com atitudes que nos fazem refletir e repensar, o mundo está mudando e precisamos acompanhar esse movimento por uma humanidade mais inclusiva, sustentável e ética.

É gratificante aprender algo novo a cada dia, conhecer histórias inspiradoras e aceitar desafios.

Quando completei 60 anos, resolvi que poderia ampliar o leque das primeiras vezes, que poderia errar mas também acertar, e foi assim que me inscrevi num treino de funcional, dei a volta olímpica num estádio de futebol, desfilei numa passarela, palestrei pela primeira vez em inglês e em espanhol, com as pernas tremendo e medo do ridículo.

Cheguei à conclusão que depois de uma certa idade você pode ousar, entendi as corajosas septagenárias que surgem com óculos gigantescos e botas coloridas, as que resolvem fazer um retiro espiritual, as que decidem pular de paraquedas ou pilotar um avião, as que vivem sem se importar com o que os outros pensam.

Deve ser por isso que os japoneses ao comemorarem 60 anos fazem uma grande festa, vestem roupa de criança, com babador e rendinhas, colocam chupetas e bebem em mamadeiras. O significado é renascer, é renovar energias para um novo ciclo que se inicia.

A primeira vez que meus pais comentaram essa tradição, achei muito estranho, não entendia como discretos senhores e senhoras poderiam se submeter a uma situação tão esquisita, mas eles argumentaram que ao atingir essa idade as pessoas tinham o direito de voltar a se sentir como crianças que aprendem a desbravar o mundo, experimentar novos sabores, enxergar o mundo com mais esperança, rir e chorar ruidosamente, acreditar e sonhar.

Independentemente da idade, viver é movimento, é se adaptar ao novo, é jogar fora o que não serve, é olhar para o futuro, é perceber que se você ficar falando do passado você fica estagnada, sem sair do lugar, sem progredir, sem crescer, crie coragem e se liberte, mesmo que o passado, tenha sido glorioso, já passou … quem sabe o hoje e o amanhã podem ser ainda mais extraordinários?

Viva o presente, o agora, um dia de cada vez, sendo a sua melhor versão.

Lilian Schiavon

**O conteúdo e informação publicado é responsabilidade exclusiva do colunista e não expressa necessariamente a opinião deste site.

Imagens: Freepik

 

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