Fábio Muniz: Anam-Cara: Um conceito de amizade segundo a Espiritualidade Celta

Bom dia meus queridos amigos!

De todo o meu coração eu espero que cada um de vocês esteja bem. Talvez você esteja curioso e interessadíssimo no tema da coluna de hoje.

Eu sei, eu sei…

Acredito que poucos ou quase ninguém tenha ouvido falar da expressão Anam-Cara. Você já ouviu?

E da Espiritualidade Celta? Você já ouviu falar? E dos Pais do Deserto?

Pois bem, se a tua resposta for negativa, antes de seguir na coluna de hoje, eu te convido a ler o meu texto Espiritualidade Celta: Uma Rápida Introdução

Ora, há duas características que eu considero Sine qua non que me atraem no Movimento Celta:

1) Eles não se venderam para a Constantinização do ano 313 da era Cristã e se negaram até mesmo de participar do Concílio de Nicea (325 d.C.), pois se tornaram a força resistente contra a religiogização daquilo que era e foi um movimento lindo e orgânico cristão. E mais ainda: se tornaram a força resistente contra a hierarquização das funções sacerdotais também.

2) Fizeram da natureza a grande Catedral da Terra. Os Pais do Deserto? Pois bem, eles foram a resposta à Constantinização através do convite para o encontro humano, para uma espiritualidade sem máscaras, do silêncio, da meditação e da solitude.

Dito isto, a expressão Anam-Cara parte do princípio e da premissa que todos nós, ricos ou pobres, grandes ou pequenos, iletrados ou intelectuais, necessitamos do encontro humano porque o anseio de uma amizade sincera e verdadeira habita nas entranhas mais profundas da alma humana.

Antes de eu falar da significação do conceito Anam-Cara, eu quero te perguntar quantos amigos você tem. Posso? Portanto, pare e pense, feche os teus olhos e respire profundamente antes de você me responder…

Agora, olhe aqui para mim…

Responda sinceramente.

Quantos amigos você tem? Claro que eu não estou falando de amigos no Facebook e tampouco das quantas vizualizações que você tem no Youtube, ou quantos seguidores no Instagram. Estou falando de amigos.

Gente que está com você. Gente que apesar de tudo e contra tudo, acredita em você. Gente que te acolhe. Gente que você pode ser quem você é. Gente que se o mundo inteiro não te entender, ele ou ela, te escutará e seguirá na jornada, até que os anos passem e a vida vire páginas…

Gente que se assenta com você para comer um pastel de feira com caldo de cana, ou queijo suíço com vinho francês…

Isto posto, eu gostaria de desmistificar a falsa idéia que a distância nos separa…

Ora, há dezenas de pessoas ou até centenas que eu conheço e estão ao lado dos seus familiares e supostos “amigos”, mas não há encontro humano profundo. Não há visitas nas sombras da alma. Não há convite para uma jornada de intimidade. O encontro humano e verdadeiro se dá quando os indivíduos não estão com máscaras e não são personagens de palcos, personagens de palestras importantes com auditórios cheios, das reuniões de negócios, dos cultos religiosos onde as “personas” se multiplicam e os papéis que a vida nos impõem publicamente não mostram exatamente quem nós verdadeiramente somos.

Simples assim. A gente desenvolve milhares de papéis na vida, mas a tua esposa sabe quem você é. O teu filho sabe muito bem quem você é. Você não pode se esconder detrás da figura pública ou do teu perfil Facebookiano.

O teu marido sabe muito bem que você é feita de carne, e osso, tem as tuas depressões, crises de identidade e auto-estima baixa ainda que pareça que “tudo vai bem” nas dezenas de fotos publicadas no teu Instagram.

Vamos lá.

Este foi apenas um preâmbulo daquilo que eu poderia falar por horas e horas…

Seguimos?

A distância pode trazer uma estranha sabedoria. Há distância geográfica pode fazer com que a nossa amizade seja nutrida pelo “próximo encontro”, pelas saudades, pelas lembranças agradáveis de dias que vivemos juntos, momentos de riso ou lágrimas de um passado que parece que foi ontem. A distância pode provocar um anseio indizível de um novo abraço ainda que não se saiba quando e se ele um dia acontecerá…

Estranhamente somos abençoados e agraciados pela luz que nos ilumina do Sol e da Lua. A Luz é vida. Somos lembrados todos os dias que estamos sendo sustentados e protegidos por estes astros que estão há milhões e milhões de quilômetros de distância de nós. De fato, há uma estranha e divina sensação entre a distância e paradoxalmente a aproximação do Sol e da Lua com cada um dos seres humanos que habita na Terra…

Cada alma humana tem um formato diferente. Cada alma humana carrega este desejo de pertencimento. Cada alma humana necessita do encontro. Ninguém pode existir e viver ilhado e isolado. Ninguém tem a vida que você tem. Ninguém tem as experiências que você possui. A tua vida é a tua vida. Você é um ser único debaixo do Sol.

A tua experiência é tua, tanto quanto o chão que você escolhe pisar na esteira da existência. Cada serzinho humano anseia por uma relação humana e uma amizade sincera, companheirismo e parceria são nutridos pelas sementes da integridade e regados com a água da transparência e do amor.

Ora, eu seguiria escrevendo um livro, mas tenho que ir para os “finalmentes”…

Anam-Cara na tradição Celta tem a ver com o encontro humano de amigos. Adam é uma palavra Irlandesa que significa “alma”, e Cara é uma palavra Irlandesa que significa “amigo”. É deste encontro semântico que temos a expressão “soul friend” que faz com que nem o espaço ou o tempo tenham poder de minar uma relação entre amigos.

Na realidade, é cada vez mais raro ter amigos que experimentem o significado do Anam-Cara. Neste mundo pós-moderno de uma sociedade líquida e inegavelmente fragmentada fazemos a viagem pela tecnologia que nos engana pretendendo fazer de cada um de nós “amigos” do mundo, mas vivendo vidas depressivas e solitárias. O mundo se tornou uma “global village”. No entanto, cada vez mais nos sentimos distantes uns dos outros, egoístas e cheios de discursos abstratos.

O que falar do consumismo? O que falar da facilidade de comprar no Amazon e nos sites que se multiplicam com oportunidades e tentações. O consumismo é a adoração dos “deuses” da quantidade e da ostentação. A Publicidade Digital e o Marketing Internetiano são partes da sua liturgia.

Tenho que parar. Mas antes de parar, dedico esta coluna a dois amigos queridos. Fábio e Larissa. Amigos de uma jornada de quase 20 anos. Amigos que a distância não nos separou. Amigos que cada encontro é um brinde a vida em gratidão a Deus pela amizade sincera, verdadeira, e sem segundo interesses. Amigos que o conceito Anam-Cara é o único e mais preciso conceito que me vem a mente para expressar o meu carinho por eles.

Um beijo grande a todos vocês.

Até a próxima!

Fábio

Collonges-au-Mont-d’Or

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