Fábio Muniz: O mundo jamais será o mesmo: Façamos um minuto de silêncio…

Eu e a minha esposa, Johnna, estamos casados há quase 10 anos. Viajamos juntos para trabalhar. Viajamos juntos para visitar as nossas famílias nos Estados Unidos tanto quanto no Brasil. Viajamos juntos para apresentar os nossos projetos para as centenas de parceiros que temos…

Na realidade, quando tivemos que escolher entre eu e ela para viajar, sempre fui eu o escolhido…

De modo que eu a deixava cuidando das meninas enquanto tinha que fazer o nosso trabalho em outra cidade, em outro estado, em outro país, ou até mesmo, em outro continente…

Pois bem, no domingo passado foi diferente. Pela primeira vez nestes 10 anos, a Johnna foi para os Estados Unidos por motivos pessoais e me deixou cuidando das meninas, da rotina, dos deveres de casa, e dos projetos que desenvolvemos em Lyon…

Talvez você me pergunte: “Fábio, por que você está começando este texto assim?”

Porque sinceramente eu acredito na experiência humana, não na cartilha teórica e nem tampouco nas centenas de horas acadêmicas. Ainda que eu seja apaixonado pelo mundo acadêmico e pela leitura, na vida há “pouca” teoria, o que vale é o aprendizado na prática. A gente aprende com a dor. A gente aprende com a angústia. Às vezes a gente infelizmente aprende se esfolando. A gente aprende com os nossos erros. A gente aprende enquanto a gente caminha na trilha da existência com muita lágrima e ficamos cara a cara com a imprevisibilidade da vida…

De fato, nos tornamos o nosso “próprio laboratório”…

Isto posto, a minha e a tua mensagem devem sempre carregar algo que viaje por dentro do ser, penetre no coração, ganhe cara, cheiro, contorno e cor de humanidade.

Ora, na semana passada fomos para o aeroporto às 6h da tarde porque a Johnna viajaria no dia seguinte às 5h da manhã. Decidimos ficar no hotel que se encontra dentro do aeroporto de Lyon porque seria impossível eu levá-la tão cedo ao aeroporto, pois não temos a presença do vovô ou da vovó, de uma tia querida para cuidar das nossas meninas. Seria insensato acordar a Sophia e a Júlia tão cedo ainda que no passado tenhamos feito isto dezenas de vezes quando não havia outra alternativa….

Pois bem, o aeroporto estava vazio, o hotel estava basicamente vazio, o estacionamento do aeroporto e do hotel estavam vazios, os restaurantes estavam fechados, os cafés fechados também, as lojas do aeroporto vazias, e no mais, apenas a entrega à domicílio do nosso jantar…

Chegou às 5h da manhã. Um último abraço na minha esposa. Enquanto eu a via beijando as crianças que dormiam, ela olhou para mim com lágrimas nos olhos, e partiu….

Eu voltei para cama, me deitei e coloquei a minha cabeça no seu travesseiro. Eu senti um vazio enorme. Eu senti uma saudade inimaginável. Era a primeira vez, que ela partira, e eu ficava com uma imensa saudade de quem ficou, mas ficou aguardando…

Um aguardar que espera a sua volta, um aguardar de um “até breve…”

No mesmo momento que coloquei a minha cabeça no travesseiro, eu fiz uma oração pensando nas centenas e milhares de famílias que perderam algum querido súbita e inesperadamente. Hoje enquanto escrevo, são 2.6 milhões de vidas ceifadas no mundo pelo Covid-19. No Brasil, são 285 mil. Certamente quando você ler este texto, os números já serão outros, muito maiores…

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Você pode imaginar este número? Você pode imaginar 2.500 mortos diários no Brasil? Quantos aviões representam? Um avião de 200 assentos? Seriam mais ou menos uns 12 aviões caindo todos os dias…

Eu não gosto de fazer estas comparações porque o sentimento de impotência e tristeza tomam contam do meu ser. No entanto, é a realidade. E ela é inegável e implacável…

Pois bem, de volta ao quarto do hotel na semana passada. A minha esposa partiu. Eu senti uma vazio gigantesco no meu peito…

Não posso imaginar a dor indizível e o sentimento inimaginável de impotência diante de um inimigo invisível, porém esmagadoramente real. Não posso imaginar a saudade acachapante de uma perda irreparável. Talvez seja uma menina que não tem mais o olhar doce e o abraço cheiroso de um mãe que sempre desejou vê-la completar os seus estudos na universidade. Talvez seja uma senhora que viu o seu único filho partir e hoje diz: “Porque você foi primeiro do que eu? Esta não deveria ser a ordem das coisas…”

Talvez seja um pai que deixou a esposa e as duas filhas pequenas que crescerão sem a lembrança da presença do pai”. Talvez e talvez…

Eu seguiria trazendo centenas de depoimentos e relatos que tenho lido e ouvido tanto quanto você tem lido e ouvido durante este último ano…

Ora, estou dizendo isto porque não apenas tenho ouvido e lido, mas tenho conversado com pessoas literalmente no mundo inteiro desde o início deste momento sem precedentes na história humana.

Ainda me lembro de um rapaz italiano que veio visitar Lyon e participou de um dos meus últimos walking tours antes do lockdown.

Enquanto o mundo se chocava com os caminhões do exército italiano carregando centenas de corpos pelas ruas, eu imediatamente ao ver as notícias escrevi para ele no WhatsApp.

– “Você está bem?” Eu lhe perguntei com muito carinho.

– “Sim, Fábio. Estou bem. Obrigado pelo contato.” Ele me respondeu, mas percebi que não duraria muito a nossa conversa.

– “Você ainda tem intenção de morar em Lyon?” Eu perguntei.

– “Fábio, ainda não sei. Parece que não. Eu preciso desligar. Os helicópteros estão voando por cima da cidade de Roma e pedem para que saiamos das ruas”.

Ora, daquele primeiro momento, foram dezenas de ligações e conversas com pessoas na Espanha, Alemanha, Japão, Estados Unidos, Brasil….

Até chegar a notícia que a mamãe da minha esposa que hoje completa 75 anos estava com Covid. As suas duas irmãs também. O seu irmão mais novo também. Os namorados das suas irmãs tanto quanto a sua sobrinha e o seu sobrinho, todos, haviam sido apanhados pela Covid na Flórida, mas graças a Deus todos sobreviveram.

Na semana passada, um amigo querido do Japão me escreveu dizendo que ainda se encontrava na UTI e na luta contra o Covid. Ele leu a minha coluna sobre “A lista de Schindler” e se emocionara pelo fato de ter ouvido e visto a orquestra de Budapeste tocando o tema do filme alguns minutos antes de lê-la. Foi por isso que um vídeo está inserido no meu texto da semana passada. Assim que recebi a sua mensagem, eu imediatamente pedi para a Rachid que edita as fotos dos meus textos, que se fora possível adicionasse o tal vídeo….

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Espero que esta coluna ou as próximas, ele possa ler já da sua casinha, fora do perigo e longe da UTI…

De modo que hoje de manhã, recebi a notícia que um amigo da família está entubado. Ele nos acompanha no Facebook, nos encoraja enquanto observa do Brasil os nossos projetos sociais ganharem mais espaço na França, ele tem acompanhado a Sophia e a Júlia crescerem. A minha angústia e tristeza são abismais…

Ora, eu não quero sinceramente entrar no mérito político da direita ou da esquerda, do lockdown total ou light como o chamamos na Europa, nem tampouco sobre a falta de pessoas e negócios nos aeroportos e centros comerciais. Eu não quero entrar nas discussões propostas das incontáveis “lives” que foram realizadas desde o início da pandemia onde a questão filosófica “dos porquês” ecoava incessantemente…

Se Deus é tão bom assim, Ele não deve ser tão poderoso, porque se Ele assim fosse, toda esta praga seria paralisada imediatamente. E se Ele é tão poderoso, portanto, Ele não deve ser tão bom assim, pois se Ele assim fosse, Ele teria mudado este cenário apocalíptico apenas e tão somente com um sopro da sua boca…

Eu prefiro me calar. Eu prefiro sentar ao lado de alguém que sofre e ter consciência que não há palavras humanas que trarão consolo. Eu prefiro estar presente. Eu prefiro me solidarizar. Eu prefiro escolher a empatia, a compaixão do que a “super espiritualidade” que traz “respostas mágicas” às questões que não cabem a nós humanos entrar. Eu jamais entrarei no ambiente que homem algum poderá entender. Eu jamais ousarei assumir um papel que não é meu.

Fica a minha prece. Fica a minha oração. Eu te convido hoje a refletir sobre o fato que os nossos filhos falarão sobre estes dias. Os nossos netos se lembrarão desta dor…

Na semana passada eu coloquei nas minhas redes sociais a foto do meu pai tomando a vacina. Eu o louvei pela sua coragem. Eu o louvei pelo seu exemplo. Eu o louvei pelo começo de uma esperança que lateja no consciente e inconsciente coletivo do planeta Terra.

A história está sofrendo um corte. A história se recordará do choro de milhares e milhões, pois o mundo jamais será o mesmo: Façamos um minuto de silêncio…

Fábio Muniz

Lyon, França

 

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Imagens 01, 02, 04, 07 e 09: Freepik

Imagens 03 e 08: Arquivo pessoal do colunista

Imagem 05:  Pragmatismo Politico

 

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Respostas de 4

  1. Muito bom Fábio.

    De onde virá o meu socorro ?

    « … Olho para essa peste e pergunto: De onde virá o meu socorro? O meu socorro vem de JESUS, que fez o céu e a terra. ELE, é o meu protetor, está sempre alerta e não deixará que eu caia. O protetor do povo… nunca dorme, nem cochila. JESUS me guardará; ELE está sempre ao meu lado para me proteger. O sol não me fará mal de dia, nem a lua, de noite. JESUS me guardará de todo perigo; ELE protegerá a minha vida. ELE me guardará quando eu for e quando voltar, agora e sempre. » Parafraseando o Salmo 121.

  2. Você tem razão querido amigo. Um minuto de silêncio é o mínimo que temos obrigação para reverenciar todas as pessoas que se foram por causa desse vírus. O mundo chora a perda de seus entes queridos. Façamos mesmo um minuto de silêncio. Todos os dias. E pedindo a Deus proteção para todos os enfermos. ???

  3. Boa Fabião, precisamos desses minutos / (horas) de silêncio e oração pelos que foram, e pelos que sentem a falta que esses que foram chamados a cruzar o rio, farão.
    E precisamos também de muita coragem para continuar porque enquanto estivermos aqui precisamos ser os que com empatia precisam confortar quem precisa e a nós mesmos.

    Tempo para reflexão, continue compartilhando conosco !

  4. Precisamos sim ajudar o próximo neste que é o pior momento que a humanidade atravessa nas últimas décadas. Estar presente e ter compaixão, fácil dizer e difícil de fazer. Gosto de pensar na diferença teórica, e difícil de se palpada na prática entre empatia e compaixão. Empatia, ao meu ver, seria sofrer junto com a pessoa se colocando no lugar dela. Compaixão seria estar presente e oferecer conforto da melhor forma possível. Em tempos de sofrimento e ansiedades generalizados temos de ter cuidado com a “empatia exagerada”. Quem ajuda a pessoa que ajuda? Se cuide, meu amigo.

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