Priscilla Ávila: Seu lugar

Todos riam naquele final de tarde, exceto o gato, que dormia profundamente. Era muito calor, mas tinha sombra e água fresca, rede e espumante. Agora Ana percebia de onde vinha a efervescência de seu sorriso, pois imaginava que seu cenho não refletia um dos questionamentos que insistiam dentro de si: por que todos estariam ali?

“Vamos para o mar? ” Gritou sua tia que passara o dia fazendo comida para três vezes mais pessoas que existiam no local. “Tem sempre alguém que aparece de última hora, né? ” Era como justificava, há vinte anos, seu desempenho culinário para as mesmas onze pessoas que frequentavam aquela casa de veraneio.

“Passou o protetor Joaquina? ” Reclamava seu tio para sua prima. “Carlos, cadê minha canga, amor?” Pedia a mulher do seu tio. “Não deixe o samba Morrer…” Cantava, embriagadamente afinado, seu pai. “Nossa, comi demais, não posso nem ficar de biquíni” Sua mãe dizia ao massagear sua barriga com a delicadeza de uma britadeira. “Não posso ir ao mar, porque a água do mar estraga meu cabelo” dizia uma prima. “Acho que a Tia não usou meu leite sem lactose na comida, tô mal” dizia outro primo. “Porra, vai ter jogo daqui a pouco. Vamos continuar bebendo!”. Empolgava-se o marido da sua tia. “Que droga de internet! ” Dizia sua irmã. “Quem já está com fome? ”. Alertava a cada 15 minutos sua avó.

Ana, então, pediu para que fossem. Ninguém hesitou em vinte anos. Ela continuava bebendo e sorrindo quando foram à praia. Ainda à vista de todos, começou a dançar e a brisa do mar pediu para ser seu par. Ana aceitou e formaram uma linda dupla. Ela dançava guiada pelos ventos, mesmo sem entender a trivialidade daquele dia, mesmo sem perceber que estava bêbada com uma taça, mesmo sem acreditar que estava sozinha pela primeira vez depois de ter perdido seus cabelos.

Aquela tarde estava livre deles e livre da culpa de ter adoecido. Então vomitou ali mesmo, no reluzente piso de cimento queimado. Ao quase enxergar seu reflexo, vomitou mais. Não sabia dizer se a ressaca estava vindo pelo excesso de zelo, de álcool ou de quimioterapia.

E se todos fossem levados pelo mar? Ana pensava e sentia um alívio. Porém, ao cair no chão, não conseguiu mais levantar e, ao começar a se afogar naquele rio de vômito, finalmente entendeu que poderia nadar até alcançar o mar, que a levaria de volta aos que sempre estiveram ali, um ao lado do outro.

Wake up

Dinners is on the table

I am high already

Clammy clinging droplets

Of unapologetic emptiness

A Lump in my breast

It is nothing I know

Hope stains when life maims

The wine is water again

And the table is still set

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