Crítica: Come to Daddy (2019)

Come to Daddy (IRL/CAN/NZ/EUA, 2019), começa citando Shakespeare e Beyoncé na mesma cena, e as coisas só ficam mais malucas deste ponto em diante. Independente de suas maluquices, a estreia na direção do jovem Ant Timpson é uma selvagem, imprevisível e hilariante saga sobre uma sangrenta reunião entre pai e filho, que traz ainda um surpreendente grau de confiança na estranha (e até ingênua) natureza do material. Trata-se de uma história sentimental sobre morte e redescoberta que explode em violento caos, mas que sempre mantém uma conexão honesta com seu tema central.

Timpson, cujos créditos como produtor incluem o grotesco mindfuck The Greasy Strangler (cuja crítica também está disponível aqui no Portal do Andreoli), certamente mostra ter tudo sob controle em seu filme, mas é seu protagonista, o eterno Frodo Elijah Wood quem insere coração na empreitada. No papel de um perplexo pária chamado Norval, o ator entrega um dos mais ternos personagens de sua carreira: um hipster de olhos grandes e bigodinho que esconde suas inseguranças por trás de suas roupas chamativas e suas mentiras. Quando Norval aparece na remota mansão à beira-mar de seu pai desaparecido, logo no inicio do filme, ele vaga por um cenário natural vasto e vazio enquanto o vento sopra. Ele então se detém, suas feições indicam confusão e até medo. Esta é a primeira indicação de que estranhas circunstâncias se aproximam. E elas estão fora de seu controle.

O peculiar gosto visual de Timpson prepara o palco para um thriller elegante, e o primeiro ato de Come to Daddy se desenrola como um suspense dark e cômico. Quando Norval chega na mansão, ele se apresenta ao homem sério de olhos cruéis que o recebe (Stephen McHattie, de Watchmen), como seu filho. O homem parece confuso, curioso mas não exatamente exultante pela chegada de Norval, mesmo com o fato de que Norval diz possuir uma carta escrita por seu pai e pedindo para seu filho distante o visitar. Sem conviver com o pai desde que era uma criança, Norval parece ansioso para desenvolver uma relação de pai e filho com o velho.

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Porém, o personagem de McHattie (que parece ter sido envelhecido no uísque), já deixa claro que um reencontro afetuoso está fora de questão. Quando a dupla se estabelece na sala de estar, o homem começa a humilhar e intimidar Norval, e mais tarde, até ameaça violentamente o pobre infeliz, durante um ataque de fúria motivado pelo álcool. Norval, cujo complicado histórico familiar levou ele próprio ao abuso de substâncias, mal consegue processar o que está acontecendo, e quando as circunstâncias tomam um rumo ainda mais medonho, ele subitamente se encontra sozinho na enorme propriedade, contemplando seu turbilhão emocional em paralelo com o dramático cenário oceânico ao fundo. Mas não por muito tempo.

Falar mais sobre as surpreendentes complicações que colocam Norval em perigo e levam a novas revelações sobre seu passado, estragaria muitas das reviravoltas da trama. Timpson consegue preencher a duração de seu filme graças a uma construção lenta porém sempre vibrante e enigmática. Depois que Norval escuta alguns barulhos estranhos à noite, ele começa a suspeitar que está sendo assombrado por seus próprios demônios, porém a realidade revela-se muito mais chocante e absurda. À medida em que o filme entra num ritmo acelerado e de natureza mais cruel, Come to Daddy perde um pouco de sua natureza intrigante de sua primeira metade. Mas quando Norval precisa enfrentar uma verdadeira sequência de ameaças à sua vida, o filme se consolida como um diferente tipo de escapismo.

Com uma vibe que vai desde os primeiros trabalhos de Peter Jackson até o clássico Evil Dead, o caos crescente da narrativa chega a níveis implacáveis, principalmente pelo fato da trama se desenrolar em apenas um ambiente, garantindo um aspecto claustrofóbico à produção. É justamente neste local onde dois personagens, interpretados pelos excelentes Michael Smiley (Kill List, Free Fire: O Tiroteio) e Martin Donovan (Meu Amigo Enzo), e cuja natureza também não revelarei para manter a trama o mais imprevisível possível, se tornam elementos centrais para a sobrevivência de Norval, à medida em que ele se envolve cada vez mais em uma situação pela qual ele não esperava. E de uma maneira inesperada, os cabulosos eventos se tornam uma metáfora ideal para o sempre complicado processo de se confrontar os laços de família que foram rompidos há muito tempo.

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Uma vez que o escopo geral deste drama familiar é revelado, Come to Daddy luta para manter sua energia insana durante todo o ato conclusivo, e seu confronto final se desdobra como um excêntrico sketch cômico pontuado por um acontecimento violento tão bizarro e cartunesco que acaba por fortalecer as bases da história e do filme como um todo. Vale ressaltar a fantástica performance de Wood ao longo de todo o processo, cujo olhar de espanto em seus gigantescos e desproporcionais olhos azuis valoriza cada nova reviravolta do roteiro.

Quando Norval finalmente chega a uma climática possibilidade de reconciliação, aquela que o personagem buscava desde o início, as coisas não acontecem da maneira como ele imaginou, e o filme encontra um inesperado caminho para concluir a saga de seu protagonista, que ilustra a confiança de Timpson em seu estranho material e nos alicerces do gênero. No final das contas, tudo subitamente se encaixa: A conclusão invoca uma série de significativas imagens que transmitem a ideia de que pessoas cruéis ainda possuem o potencial para a empatia, e que os laços de família podem transcender mesmo a mais sangrenta das circunstâncias.

Come to Daddy não tem previsão de estreia nos cinemas brasileiros, e deve chegar ao país diretamente através de sistemas de streaming e VOD.

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Uma resposta

  1. Vou ser direto: até o 1/3..o filme se apresenta ótimo e instigante…depois cai num enredo mal construído…com atuacoes terríveis e forçadas… situações nada críveis e um final coerente com essa porcaria que me consumiu quase uma hora e meia (fui obrigado a acelerar o filme, tamanha a chatice e td mais)… Boa sorte a quem se aventurar…e lembro: opinião cada um tem a sua…abs

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