Babilônia explora depravação, hipocrisia e os excessos da Era de Ouro de Hollywood

Entre as décadas de 1920 e 1960, o cinema hollywoodiano prosperou ao ponto de atingir o seu ápice. Com um exorbitante investimento em técnicas cinematográficas inovadoras, que causassem estardalhaço e atraíssem cada vez mais pessoas para as salas de cinema naquela época, a América do Norte abriu caminho para que filmes se tornassem o que são atualmente – para além do mudo e o preto e branco, produções visuais com sons e cores vivas.
Pensar nesses anos dourados de Hollywood é, imediatamente, evocar o glamour que comumente lhe é atribuído; relembrar o charme hipnótico de divas como Marilyn Monroe, Vivien Leigh e Elizabeth Taylor, bem como de galãs como Humphrey Bogart e Clark Gable. Essa associação que se enraizou no imaginário coletivo é o motivo pelo qual, hoje em dia, grande parte das produções cinematográficas que se versam sobre essa época possuam tendência a tentar reconstituir toda essa pompa e circunstância. Mas na Babilônia de Damien Chazelle, o que ocorre é uma completa subversão, com um despudorado enredo sobre a hipocrisia e os excessos astronômicos da Era de Ouro hollywoodiana.
A história acompanha três personagens diferentes em jornada de ascensão e, logo após decadência; Nellie La Roy (Margot Robbie) é uma aspirante ao estrelato, de espírito selvagem e irrefreável, que faz de tudo para conseguir se tornar uma atriz de cinema. Jack Conrad (Brad Pitt) é um perfeccionista ator em seu auge de carreira na era do cinema mudo, que vê nos sets de filmagem um lar como nenhum outro. Manuel Torres (Diego Calva) é um imigrante mexicano que trabalha para grandes figuras do cinema sonhando em se tornar um produtor. As vidas dos três se cruzam para sempre depois de uma festa orgiástica realizada por uma persona influente, cujos convidados eram as maiores estrelas da época.
Quem já assistiu La La Land (2016) e Whiplash: Em Busca da Perfeição (2014) conhece bem o estilo do diretor Damien Chazelle; seus maneirismos extravagantes na composição de cenas e a presença constante de uma trilha sonora instigante, se tem uma palavra que traduz bem o estilo do cineasta é excesso. Mas logo nos primeiros minutos de filme, fica fácil perceber que em Babilônia, todo o exagero vem acompanhado de um tom caótico e depravado que dá a tônica da narrativa, e é apresentado com a chegada de um elefante para entreter os convidados da festa e uma cena de sexo com direito a golden shower. A introdução, de exatos 30 minutos, gira em torno dessa festa frenética e repleta de orgias onde os três protagonistas são apresentados.

Brad Pitt, Margot Robbie e Diego Calva vivem, respectivamente, Jack Conrad, Nellie LaRoy e Manuel Torres em Babilônia. Foto: divulgação do filme

Sempre há, nas produções de Chazelle, um personagem que encarna o perfeccionismo, e dessa vez ele é vivido pelo Jack Conrad de Brad Pitt, um homem absolutamente apaixonado pelo cinema mudo. Quanto ao papel de Margot Robbie, este é totalmente ambíguo: uma mulher de Nova Jersey que sonha em ser atriz de cinema e vive sem pretensão de agradar a alta sociedade, cutucando as feridas do conservadorismo de hora em hora com seu comportamento selvagem, livre e a sexualização constante do próprio corpo.
Já o Manny Torres de Diego Calva é um personagem com quem o público facilmente empatiza, um homem de origem humilde que sonha em conquistar seu espaço. Certamente, a história de cada um já é chamativa por si só, mas o diretor demonstra um grande aprofundamento em sua técnica cinematográfica ao não deixar que o microcosmos do trio seja a única fonte bebível desse roteiro, há uma gama de personagens tão enigmáticas e interessantes quanto, o que ajuda a equilibrar o próprio enredo.
Um nítido apaixonado pela história do cinema, Chazelle usa essa história tão escandalosa para reconstruir o período de transição dos filmes mudos e em preto e branco para filmes com som e, posteriormente, coloridos. Mais especificamente, essa abordagem reconta, de maneira muito realista, como o processo de adaptação a essa mudança foi insuportável para grande parte dos artistas, e como alguns acabaram não conseguindo manter a carreira e o ritmo de antes.

Margot Robbie e Diego Calva interpretam pretensão romântica

Obviamente, o realismo não impede os anacronismos típicos de uma perspectiva de futuro ao passado. Uma das cenas mais poderosas do filme é um diálogo entre Jack Conrad e a colunista Elinor St. John (Jean Smart), que na prática, não seria realizável naquela época porque seria impossível que o vislumbre do que o cinema se tornaria no futuro fosse tão claro para alguém nessa posição. Apesar de tudo, é bonito ver como a direção romantiza esse aspecto do filme para tentar entregar uma ode ao cinema, à sua maneira.
Ainda que o ritmo dessa narrativa seja bastante frenético, isso não impede o espectador de conseguir criar conexão com o que está vendo. É muito fácil rir com as personagens, sentir seu desespero e as próprias dúvidas. Nesse sentido, o trabalho da atuação é impecável, tornando toda a comicidade e o frenesi muito críveis, mas é Robbie quem se destaca e consegue ofuscar os colegas em cena. Sua personagem é detestável, por um lado, e mesmo assim consegue ganhar empatia implodindo com suas próprias questões internas. Como um furacão em cena, ela dá ao filme um significado ainda maior.De maneira geral, Chazelle entrega um filme muito provocativo e cômico, que convida o espectador a olhar Hollywood por outra óptica, uma ainda não tão explorada na cinematografia norte-americana, mas, sem dúvidas, muito interessante. Babilônia intriga, diverte e tenta relembrar o verdadeiro significado do cinema ao mesmo tempo que expõe a hipocrisia da elite hollywoodiana e sua devassidão. É um filme como poucos, que faz enxergar o cinema como algo além, e o que está por trás das câmeras também.

 

 

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Imagens: Foto divulgação do filme Babilônia.

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