É sempre curioso relembrar a trajetória do diretor americano Rob Zombie, hoje com seus 54 anos de idade. A carreira artística de Zombie não teve início no cinema, mas sim na música: Em 1987, ele fundou a banda de heavy-metal White Zombie, que fez até um certo sucesso na década de 90, mas que se desfez em 1998. Ele seguiu com uma carreira solo, mas sem muito alarde. Foi apenas em 2003, que Zombie resolveu se arriscar no cinema, com o satânico A Casa dos 1000 Corpos (House of 1000 Corpses). Altamente influenciado pela contra-cultura dos anos setenta, principalmente o cru e realista cinema de horror da época, e mais precisamente o clássico O Massacre da Serra-Elétrica (Tobe Hopper, 1974), Zombie revelou-se um diretor de talento para o gênero, ainda que a maioria de seus filmes não me agrade muito. Produções como seus reboots da franquia Halloween (2007/2009); o péssimo As Senhoras de Salem (The Lords of Salem, 2012) e o decepcionante 31 (2016), têm muito mais defeitos do que qualidades, mas não deixam de fazer parte de um currículo acima da média de um cineasta que tem uma visão toda própria e esteticamente impecável do horror sem concessões.
Do mencionado currículo de Zombie como diretor, duas obras se destacam mais do que as outras. A primeira delas é o próprio A Casa dos 1000 Corpos, e a segunda é justamente sua sequência, Rejeitados pelo Diabo (The Devil’s Rejects, 2005). Enquanto que Casa dos 1000 Corpos funciona com um gorefest de primeira que abriu as portas de Hollywood para Zombie, Rejeitados pelo Diabo é por si só uma pequena obra-prima do gênero, disparado o melhor filme de Zombie e um dos melhores filmes lançados em 2005. E desde a antológica sequência final de Rejeitados pelo Diabo, onde o trio de protagonistas homicidas é fuzilado em alta velocidade ao som do hino do Rock n’ Roll “Free Bird“, da banda Lynyrd Skynyrd, Zombie não entrega algo nem perto de estar no mesmo nível.
E é justamente devido à mortífera conclusão de Rejeitados pelo Diabo, que eu e todos os fãs da saga de Zombie quebramos a cabeça para entender como diabos a família Firefly teria sobrevivido de forma que este Os 3 Infernais (3 From Hell/Three From Hell, EUA, 2019), pudesse existir. Desde o primeiro trailer do filme esta questão persiste na cabeça do público, e agora, tal dúvida é respondida através de mais um thriller sádico e sangrento, cortesia de um diretor que se mostra completamente à vontade para mergulhar uma última vez no universo homicida que criou na década passada.
Lançado sob os selos da Lionsgate e Saban Films, Os 3 Infernais obviamente marca o retorno do clã Firefly, especialmente a encapetada Baby Firefly (a esposa e musa do diretor Sheri Moon Zombie), o demente Otis Driftwood (Bill Moseley), e é claro, o repugnante “palhaço” de dentes podres Captain Spaulding (o veterano Sid Haig). E a maneira que Zombie encontrou para explicar (e justificar) o retorno da franquia e a sobrevivência dos Firefly foi realmente bastante interessante e honesta, de forma que a sequência final de Rejeitados pelo Diabo na verdade funciona como o pontapé inicial de Os 3 Infernais.
Após o massacre do final do segundo filme, a família Firefly é levada às pressas para o hospital (contra a vontade da força policial que os alvejaram), e lá, o trio consegue a façanha de sobreviver à uma estimativa de morte de “um milhão para uma”. Não demora para a imprensa sensacionalista entrar na jogada, chamando o que acabou de acontecer de “recuperação satânica”. Com tal premissa, Zombie justifica também o título de seu filme, já que Os 3 Infernais realmente traz seus três protagonistas de volta do inferno. E para complicar ainda mais as coisas para as autoridades responsáveis pelo encarceramento dos Firefly, surge na cidade um culto que exige a libertação dos três depois de tamanho “milagre”, e não demora para as coisas ferverem numa escala muito maior do que as autoridades julgariam ser possível.
Os 3 Infernais definitivamente é um típico filme de seu criador. A estética é suja e granulada, nada de digital aqui, e mais parece que o filme ficou enterrado três semanas no deserto antes de ser distribuído. Repleto de facadas, tiros, mutilações, palavrões, humor sarcástico, gore jorrando na tela o tempo todo e tipos esquisitos de montão, o filme conta (além do sempre excelente trio de protagonistas), com a figurinha carimbada dos filmes B Danny Trejo (Um Drink no Inferno, A Balada do Pistoleiro), o esquisito por natureza Clint Howard (Halloween: O Início) e o sinistro Richard Brake (do citado 31, e de outra pérola do bizarro, Mandy, cuja crítica também está disponível aqui no Portal do Andreoli).
Não é surpresa para ninguém que Zombie é um cineasta bastante divisivo. Com ele é ame ou odeie, e muitas vezes este sentimento permeia até as opiniões de seus fãs mais ardorosos. Contudo, há muito pouco em Os 3 Infernais que possa decepcionar os admiradores de seu trabalho. Agora uma trilogia, a saga sangrenta dos Firefly ganha um exemplar que não supera Rejeitados pelo Diabo (seria impossível mesmo), mas que deixa Casa dos 1000 Corpos para trás. Os 3 Infernais tem todas as marcas registradas de seu diretor, desde seu entusiasmo para retratar a violência e brutalidade sádica de seus personagens, até a direção que mescla momentos de pura genialidade visual com uma estética desleixada por natureza. Sem dúvidas, Os 3 Infernais consiste em um asqueroso (no bom sentido) trabalho que mistura com excelência os elementos mais cabulosos dos filmes B, com aquela sensibilidade slasher que só mesmo Rob Zombie sabe criar.
Os 3 Infernais ainda não tem previsão de estreia nos cinemas brasileiros, mas deve ser liberado em sistemas de streaming neste mês de setembro/2019.
https://www.youtube.com/watch?v=A4H89rSFUtk