Crítica: After Midnight (Something Else) | 2020

O amor não é o máximo? Exceto quando, bem, você sabe… quando não é. Todos nós já passamos por isso: A rotina que vai devorando a relação pouco a pouco; a falta de afeto que coloca parceiros em lados opostos de uma mesma estrada; os anos de sonhos compartilhados que com o passar do tempo mostram que na realidade não era nada disso. E claro, o monstro sedento por sangue que aparece na sua porta quando seu relacionamento chega ao fim.

Ok, talvez este último ponto não seja assim tão compreensível, mas nas mãos dos diretores Jeremy Gardner e Christian Stella, tal absurdo chega a fazer sentido. Os responsáveis pelo terror cult indie The Battery (Gardner estrelou e dirigiu com Stella como seu diretor de fotografia), entregam outro exemplar do horror que transita nas sutilezas do gênero, em um ritmo vagaroso mas sempre relevante. After Midnight (também conhecido como Something Else, EUA, 2020), uma mistura de história de amor com filme de monstro, coloca ênfase no romance e no drama de relacionamento, usando sua metáfora monstruosa para colocar um ponto de exclamação nos assuntos do coração.

Gardner também atua no filme e interpreta Hank, um antiquado rapaz do interior que é perfeitamente feliz com sua vida simples como dono de um bar. Ele vive na velha casa da família com sua namorada, Abby (Brea Grant, de A Ghost Story, cuja crítica também está disponível aqui no Portal do Andreoli), mas Abby quer mais. Depois de dez anos da mesma vidinha simples na mesma cidadezinha pacata ao lado de Hank, ela está pronta para dar um passo além. Sem nenhum sinal de casamento, bebê ou uma mudança para a cidade grande, Abby decide partir, deixando Hank para trás apenas com um bilhete de despedida e o gato que ele deu para ela em seu aniversário.

Hank fica em frangalhos. Sem a mulher que ama, ele se entrega ao relaxo e à bebida. Mas sua vida fica ainda pior quando um misterioso monstro começa a arranhar sua porta todas as noites. Seus amigos começam a achar que ele está à beira do colapso devido ao coração partido, especialmente o irmão de Abby (Justin Benson, de The Endless, cuja crítica também está disponível aqui no Portal), que também é o xerife da cidade. Ele insiste que a criatura deve ser um urso, e que Hank precisa urgente de ajuda profissional. Sem ninguém a quem recorrer (com exceção de sua espingarda calibre 12), Hank se assenta na frente de sua casa esperando capturar a criatura, e de quebra, reconquistar sua namorada.

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Para aqueles esperando um tipo de filme de monstro mais familiar, é melhor ajustar as expectativas. After Midnight é um honesto drama sobre as fraturas que deixam suas marcas em todos os relacionamentos (mesmo aqueles que dão certo), e que aparecem quando nos tornamos complacentes ou excessivamente dependentes daqueles que amamos. Apresentados em uma sequência lírica e não-linear, o passado e o presente se misturam em After Midnight, convidando o espectador a presenciar os distantes dias de lua-de-mel do romance entre Hank e Abby, ao mesmo tempo em que nos mostra o que acontece quando este mesmo romance desmorona. Tal artifício narrativo faz com que o público esteja sempre torcendo por eles, mesmo que estejamos observando aquelas fraturas na comunicação entre eles afastá-los ainda mais um do outro.

Gardner carrega o filme com uma performance que alterna ingenuidade e charme no passado, com uma personalidade ferida e arrependida no presente, mas sempre íntima e sem rodeios. Sua atuação encontra o contraponto perfeito em Grant, que entrega uma performance igualmente terna e discreta, no papel de uma mulher no meio de uma crise dos trinta anos que finalmente se confronta com o que realmente construiu na vida até agora, ao lado do homem que ama mas que continua a decepcioná-la em diversos aspectos da relação. Alguns dos momentos mais críticos do filme apoiam-se nas sutis mudanças de expressão de Abby, e Grant brilha em cada uma destas alternâncias. A química entre Gardner e Grant é o coração pulsante do filme, e atua como uma carta na manga para que After Midnight funcione como uma surpreendente reviravolta sentimental dentro do gênero dos filmes de monstro.

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Isso não quer dizer que as partes mais assustadoras de After Midnight não dão conta do recado quando necessário. Num dos melhores elementos de tensão do filme, Hank dispara sua espingarda e abre um rombo em sua porta da frente, e Gardner e Stella constroem algumas cenas realmente tensas utilizando o buraco e alguns relances do que pode ser visto do outro lado. Há também uma sequência no meio do filme que envolve uma caminhada na noite que termina com um dos mais bem executados atos de violência no cinema recente (que ganha ainda mais força após um diálogo que descreve o acontecimento mais tarde). E, mais importante, as cenas finais de After Midnight encerram a produção de todas as maneiras que o filme precisa, entregando uma significativa catarse emocional para os personagens e também para o espectador. Sem mencionar um dos mais merecidos e bem executados jump scares de que consigo me lembrar.

Co-produzido pela dupla Justin Benson (que também atua no filme) e Aaron Moorhead, responsáveis pelo citado The Endless e também o excelente Spring (que inclusive carrega uma vibe bem parecida com a do filme de Gardner e Stella), After Midnight também se assemelha ao filme de estreia de Gardner, o citado bromance apocalíptico The Battery, o qual recomendo como uma forma de complemento ao trabalho do diretor aqui. Mesmo sendo um filme de gênero (ou até subgênero se preferirem), After Midnight é sutil e eficaz, atmosférico e tenso, e ainda assim, consegue ser puro coração. Prova definitiva de que terror e romance podem sim combinar muito bem.

After Midnight não tem previsão de estreia nos cinemas brasileiros, e deve chegar ao país diretamente através de sistemas de streaming e VOD.

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