Crítica: In the Earth (2021)

O cinema do diretor britânico Ben Wheatley (Kill List, Turistas, No Topo do Poder) sempre deixou a sensação de ser uma reação claustrofóbica aos horrores psíquicos da vida moderna. Nada mais justo que este seu novo exercício de horror, In the Earth (UK, 2021, 107 Min.), seja um dos principais lançamentos do gênero em meio à onda de COVID-19. A primeira onda de filmes escritos e dirigidos durante a pandemia trazia impressa aquela sensação de confinamento, assim como estão confinados os espectadores que os assistem. Com In the Earth, Wheatley aproveita nosso sufocante novo status quo e se lança em um filme de terror ao ar livre que fará o espectador nunca mais querer sair de casa em direção ao campo.

Quando foi anunciado que Wheatley havia decidido dirigir um filme durante (e sobre a pandemia), o diretor disse que sua resposta para o vírus foi provocada pela forma datada com que os novos filmes lançados em VOD abordavam a situação mundial atual; sem dar a devida importância. O trabalho de Wheatley aqui resulta em um horror de micro-orçamento de aparência tão antiga e elemental quanto seu título sugere. In the Earth é um repulsivo e satisfatório pesadelo sobre alguém que tenta deixar o coronavírus para trás, apenas para vagar em direção ao coração sombrio da natureza. Depois de sua decepcionante versão do clássico Rebecca para a Netflix, Wheatley volta à boa forma em um filme que adentra tão fundo na floresta, que leva o público junto em um diabólico passeio sem volta.


Joel Fry (Game of Thrones) interpreta o Dr. Martin Lowery, um cientista que chega a uma remota pousada durante sua viagem para encontrar com sua mentora, Olivia (Hayley Squires, de Vestido Maldito), assim ambos podem continuar sua pesquisa que consiste em analisar e interpretar uma intrincada rede de raízes e fungos que controla florestas inteiras, exatamente como o cérebro faz com o corpo humano. Olivia não dá sinal de vida já há alguns meses, mas talvez devido à pandemia em andamento, Martin não dá muita importância. Aliás, o protagonista também não parece se importar muito com o fato de seus pais estarem doentes em casa e nem com a aterrorizante pintura pagã na parede da pousada.

Entra em cena Alma (Ellora Torchia, de Midsommar: O Mal Não Espera a Noite), a guarda do parque florestal encarregada de acompanhar Martin na caminhada de dois dias até o acampamento de Olivia. Ela insiste que a lenda de Parnag Fegg é apenas folclore que as pessoas da área usam para colocar medo nas crianças para que não saiam caminhando pelo parque depois do anoitecer. Porém, a intrépida dupla mal começou a caminhada e Alma já começa a ficar preocupada. Uma tenda abandonada é o primeiro sinal de problema; o padrão de dolorosos caroços vermelhos que se formam no braço de Martin é o segundo. Deste ponto em diante, Wheatley deixa o suspense de lado, uma vez que após serem atacados por um misterioso inimigo, Martin e Alma passam a ser impiedosamente atormentados pela floresta, cujo arsenal de martírios contêm espancamentos, infecções e sadismo dignos dos melhores exemplares do body horror.

In the Earth consiste em um impressionante exercício de engenhosidade cinematográfica. Os melhores trabalhos de Wheatley na direção misturam niilismo com a diversão anárquica de um garoto brincando com sua câmera no quintal de casa. Tudo de que ele realmente precisa são alguns props sinistros, um punhado de atores comprometidos, e uma boa desculpa para deixar o gore comer solto. Em um momento onde a maioria das pessoas estão quebrando a cabeça para encontrar novas maneiras de fazer cinema, não é surpresa que In the Earth esbanja confiança e ousadia criativa. Este é o trabalho de um diretor que está totalmente em seu elemento, que tira leite de pedra, e cuja energia é especialmente bem aplicada em uma história sobre o impulso humano e a implacabilidade da natureza.

Nenhum dos quatro personagens centrais (o filme ainda conta com um sinistro Reece Shearsmith no papel de um estranho de aspecto feral que vive na floresta e gosta de amputar coisas) carrega alguma nuance em particular, mas todos eles estão ligados por uma necessidade coletiva de encontrar ordem no caos em um ambiente que nem sempre parece fazer sentido. Quando a Terra tem algo a dizer, como ela pode garantir que nós receberemos a mensagem? Ela quer falar conosco ou através de nós? Wheatley sabe que metade da diversão de fazer cinema de horror é fazer perguntas semi-retóricas as quais você só precisa responder com galões e galões de sangue. Qualquer que seja a pergunta que nosso planeta queria fazer, você não vai descobrir aqui.

O terceiro ato se afasta do subgênero dos filmes de sobrevivência e vai na direção da psicodelia desenfreada vista em A Field in England (2013), na minha opinião ainda o melhor filme de Wheatley. Essa mudança no rumo da narrativa acaba distraindo o espectador das dinâmicas interpessoais dos personagens, mas ao mesmo tempo o filme se torna cada vez mais hipnótico à medida em que se assenta no terreno da abstração violenta. Wheatley encerra as coisas pulverizando os elementos básicos como luz e som e mergulhando o público em uma emulsão visceral de terror sugestivo, que deixa a sensação de que o diretor está mostrando ao espectador nada e tudo ao mesmo tempo.

In the Earth pode não ser tão profundo quanto deveria, mas é o primeiro filme dentro da pandemia que ousa pensar além do que pode ser visto. Wheatley se aventura pela vastidão do mundo lá fora e confronta o quão aterrorizante e necessário será se relacionar de maneira inédita com a natureza, uma vez que nosso pesadelo com o COVID terminar.

In the Earth chegará em breve nas plataformas digitais.

Nota Pessoal: Dedico esta crítica para minha mãe. Ninguém gostava tanto de terror quanto ela.

**O conteúdo e informação publicado é responsabilidade exclusiva do colunista e não expressa necessariamente a opinião deste site.

*Imagens: Neon e Rook Films.

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