Crítica: Low Tide (2019)

Uma história de descoberta e amadurecimento. Um tesouro escondido. Um diretor estreante. Um elenco jovem e talentoso. Tudo isso amarrado em uma aventura adolescente que relembra o que havia de melhor nos anos 80. Low Tide (EUA, 2019), primeiro longa do diretor Kevin McMullin, retrata muito do background de seu próprio diretor, que assim como muitos de nós, foi um adolescente na década de oitenta. Tal conexão do diretor com o tema de sua obra fica evidente, e mesmo que o filme não seja inovador, definitivamente prepara o terreno para um potencial contínuo que McMullin demonstra aqui.

O diretor foi bastante influenciado tanto pelo cenário como pelas histórias de sua infância e adolescência, e mistura de maneira convincente os elementos de perigo e aventura encontrado em filmes queridos do grande público, como Os Goonies e Conta Comigo. Low Tide se passa em algum período da década de oitenta, na cidade de Point Pleasant, Nova Jersey. É verão, e na pequena cidade ferve o conflito entre os desconfiados “townies” (a garotada da cidade) e os “Bennies” (a molecada que vem passar as férias no local). O mais ressentido dos garotos do local é Red (Alex Neustaedter), que é alguns anos mais velho e muito mais nervoso do que os garotos que ele lidera em suas investidas contra os visitantes, os quais ele considera como invasores.


Red, Alan (Keean Johnson, de Alita: Anjo de Combate) e Smitty (Daniel Zolghadri), passam suas noites invadindo as casas de veraneio da cidade e levando o que conseguirem carregar. Contudo, Alan fica um pouco receoso quando Red encoraja ele a começar a levar seu irmão mais novo, Peter (Jaeden Martell, de It: A Coisa e The Lodge, cujas críticas também estão disponíveis aqui no Portal do Andreoli), junto com ele nos roubos. A crise de consciência de Alan fica ainda mais forte quando ele se apaixona pela bela e inocente Mary (Kristine Froseth, de Apóstolo, cuja crítica também está disponível aqui no Portal), uma das visitantes do local, e principalmente quando o chefe de polícia local, Sgto. Kent (o ótimo Shea Whigham, de Coringa, cuja crítica também está disponível aqui no Portal), dá um último aviso aos garotos.

A oportunidade perfeita para Alan cair fora da empreitada de invasão e roubo orquestrada por Red, surge quando a turma invade uma última casa e Alan encontra um saco contendo antigas moedas de ouro. Ele tenta manter sua descoberta em segredo, recrutando Peter para ajudá-lo a enterrar o achado em uma pequena ilha próxima. O plano dos dois é ir vendendo as moedas aos poucos, o que os tornaria mais ricos do que poderiam imaginar e assim mudar suas vidas. Porém, é claro que nada é assim tão fácil, e o destino parece determinado a decretar que os garotos nasceram para ser townies, e assim o serão pelo resto de suas vidas. Uma série de obstáculos complicam suas fantasias, e logo a situação toda se transforma em um pesadelo.

A boa utilização do cenário feita por McMullin incrementa a história, assim como o evocativo trabalho de câmera de Andrew Ellmaker, que também faz sua estreia em longas. Entretanto, a inexperiência de McMullin como roteirista e diretor algumas vezes o impede de alçar vôos maiores. O diretor acaba telegrafando demais a trama, e o que poderia ser realmente imprevisível acaba sendo apenas uma questão de quando determinada coisa irá acontecer. Alguns dos personagens coadjuvantes também sofrem de uma certa falta de profundidade. A jovem Froseth tanta entregar o máximo de sua personagem, mas tal esforço não muda a sensação de que Mary existe apenas para refletir as experiências de Alan. Neustaedter também poderia ter sido melhor aproveitado. Red começa o filme agindo como um sociopata de cabeça fraca, então não é nenhuma surpresa quando no fim das contas ele se revela, bem, um psicopata de cabeça fraca.

De maneira geral, entretanto, o elenco jovem traz surpreendentes dimensões aos seus personagens. Graças à performance de Johnson, o público compreende de cara o mix de sentimentos de Alan, que vai desde o excesso de confiança até a confusão e falta de experiência, especialmente quando ele faz algumas péssimas escolhas ao longo da narrativa. Já o Peter interpretado por Martell expressa com eficiência as frustrações da fase pré-adolescente, onde as atrações da infância perderam o encanto e as descobertas da adolescência ainda não despertam seu total interesse. O mais interessante de todos, contudo, é o Smitty de Zolghadri, que realmente se aprofunda em suas esquisitices. De um lado, temos um garoto inocente e inteligente que precisa desesperadamente de uma direção. Por outro, ele já é uma causa perdida.

É na construção destes cativantes personagens e no jovem e talentoso elenco que Low Tide se apoia e não decepciona. McMullin mostra-se um nome promissor dentro do cinema independente americano, e apesar de algumas arestas não serem aparadas em seu filme de estreia, nada impede que o jovem cineasta se refine para uma próxima empreitada. Já estou no aguardo.

Low Tide não tem previsão de estreia nos cinemas brasileiros e deve chegar ao país diretamente através de sistemas de streaming e VOD.

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