Crítica: Morto Não Fala (The Nightshifter) | 2018

Morto não Fala

Exibido em diversos festivais de cinema fantástico ao redor do mundo, como o Fantasia International Film Festival 2018 e o Austin Fantastic Fest, este horror nacional Morto Não Fala (The Nightshifter, BRA, 2018), lida com a questão das consequências que vão além do plano em que vivemos. Afinal, falar com os mortos é uma coisa, mas deixá-los p… da vida é algo totalmente diferente.

Filmes sobre personagens que podem falar com os mortos praticamente já formam um subgênero. Mas salvo raríssimas exceções (vide o excelente O Sexto Sentido e o divertidíssimo Os Espíritos, filme dirigido por Peter Jackson em 1996), geralmente este tipo de produção acaba seguindo sempre o mesmo caminho; nosso herói tem a missão de solucionar algum mistério ou entregar uma mensagem e usa suas habilidades psíquicas e sobrenaturais para conseguir completar sua tarefa, blá blá blá… Entretanto, tal fórmula é deixada de lado de maneira brutal e sangrenta em Morto Não Fala.

Stênio (Daniel de Oliveira, cada vez mais ativo na cena cinematográfica brasileira), é um assistente de legista que mantém-se bastante ocupado pelas constantes vítimas que chegam ao necrotério devido à violência nas ruas da cidade onde vive e trabalha. Numa noite, um novo corpo chega ao local, com sangue escorrendo dos buracos feitos em seu corpo, e após alguns instantes, ele e Stênio trocam algumas palavras. O morto implora a Stênio para que entre em contato com sua família, para que assim ele não precise ser enterrado como indigente, e enquanto Stênio resiste ao impulso de utilizar suas conversações com o além no mundo real, ele acaba cedendo. Contudo, esta não será a única exceção que Stênio abrirá esta noite, no entanto, ele desejará que tivesse sido.

A trama prossegue com um outro cadáver, que revela um segredo sobre a esposa de Stênio, Odete (Bianca Comparato, da série da Netflix 3%), e em um planejado ato de fúria impulsionado pelo ciúme, o protagonista coloca em prática um plano de vingança. É claro que o plano sai do controle, fazendo com que ele se arrependa profundamente de sua decisão e fique temendo por sua vida. E para complicar ainda mais, Stênio descobre que seus dois filhos também se encontram na mira, e agora, ele tem de lutar contra forças de outro mundo para salvar sua família e sua alma.

O roteirista e diretor Dennison Ramalho já é figurinha carimbada na cena do horror brasileiro, tendo dirigido diversos curtas nos últimos vinte anos, entre eles o cultuado Ninjas (2011), e o segmento “J is for Jesus” da antologia de horror O ABC da Morte 2 (The ABCs of Death 2). Seu único trabalho em longas até então, havia sido como co-roteirista do filme Encarnação do Demônio, filme que marcou o retorno de Zé do Caixão ao cinema em 2008. Morto Não Fala é um tremendo cartão de visitas, já que a estreia de Ramalho esbanja atmosfera, uma vez que mistura o horror alegórico com o horror da dura realidade das ruas do Brasil, atualmente mergulhadas em um pesadelo urbano. O necrotério em si é tão agitado quanto qualquer casa noturna, e a casualidade com que a violência é infligida não passa despercebida. O subtexto oferece um poderoso comentário, enquanto que a narrativa principal do filme entrega um forte conto sobre o alto preço da vingança.

Cada ato de vingança estimula outro, maior ou de igual proporção, e o ciclo de brutalidade que assombra as ruas persegue Stênio de maneiras que continuam a machucar aqueles que ele ama. A constatação do ato de Stênio ocorre tarde demais, e o filme se desvia de sua premissa inicial — um cara que fala com os mortos — para se tornar um thriller sobre os problemas que tal incomum condição podem causar.

Ramalho captura seu mundo com um esperto olhar para o que é natural, e também para o oculto, quando este se manifesta com fúria na narrativa. Há uma beleza triste em seu filme, que está presente desde os créditos iniciais, passando pelo olhar no rosto de Stênio uma vez que ele transita do ódio ao arrependimento, e é claro, que reflete-se nos mortos em si. Ao invés de simplesmente utilizar atores para interpretar os mortos, Ramalho aplica uma combinação de efeitos práticos e digitais que dá aos cadáveres uma aparência assustadoramente única, especialmente quando estes falam. Trata-se de um efeito desorientador, que contrasta com a natureza cotidiana dos diálogos de Stênio com as pessoas (vivas) ao seu redor.

Se o filme tropeça nos momentos em que começa a ficar muito parecido com o ótimo Arraste-me Para o Inferno (Drag Me to Hell), filme dirigido por Sam Raimi em 2009, para alguns espectadores as coisas ficam ainda mais divertidas. Contudo, Ramalho exagera no uso de jump scares desnecessários, dada a natureza pesada da produção. O excesso de baques sonoros nestes momentos distraem o espectador, e o filme apresenta outro problema quando em dados momentos, parece ir contra suas próprias regras no que diz respeito à natureza dos mortos que falam.

Entretanto, Morto Não Fala situa Dennison Ramalho como um cineasta que merece uma chance no gênero, já que ele entrega um filme repleto de visuais impactantes, terror e discussões sobre a violência, tanto a real quanto a imaginária. Você nunca verá a habilidade de falar com os mortos como um “dom” novamente.

Morto Não Fala ainda não tem data de estreia definida nos cinemas brasileiros, mas deve ganhar um lançamento no circuito alternativo nos próximos meses.

3 respostas

  1. O Brasil devia com os diretores do cinema brasileiro, fazer mais filmes com esse tema de terror, vide o nosso Zé do Caixão que poderia ser considerado um Diretor CRASH Mundial, deviam ser mais divulgados os trabalhos deles no exterior, ele é uma LENDA, e agora vem esse novo diretor e faz um filme desse taamanho que muitos sonham em falar com os mortos sem ter que ir ao mesmo espaço com eles, Dennison de Ramalho esta de parabéns.

    1. Obrigado pelo toque, Franklin. De fato na hora de escrever o review confundi os nomes das personagens.
      Volte sempre ao Portal do Andreoli.

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