Crítica: O Quebra-Cabeça (Puzzle) | 2018

quebra-cabeça

Para um cinéfilo, existem poucas coisas mais gostosas do que apostar em um filme e acabar descobrindo uma verdadeira pérola. Foi o que aconteceu comigo, quando decidi apostar neste excelente drama romântico concebido longe da irritante fórmula do gênero repetida à exaustão nos genéricos de Hollywood e agora também da Netflix.  Desde sua primeira e elegante tomada, eu soube que este O Quebra-Cabeça (Puzzle, EUA, 2018), se tratava de algo especial. Ainda que seja baseado no filme Rompecabezas, dirigido pela cineasta argentina Natalia Smirnoff em 2009, o sólido roteiro de Oren Moverman (dos dramas O Mensageiro e O Encontro) contém diferenças tão sutis e repletas de nuances, que ambas as produções podem ser vistas como duas entidades completamente distintas.

Quando o público conhece Agnes (uma notável Kelly McDonald, cativante mesmo em seus momentos mais discretos), ela encontra-se em sua zona de conforto, preparando e limpando meticulosamente sua casa para uma festa. Mesmo quando a festa começa ela continua em ação, pensando no que poderia estar fora do lugar em sua sala de estar. Detalhe: é sua própria festa de aniversário. À medida em que a festa continua, Agnes quebra um prato, luta para encontrar os pedaços e usa super cola para tentar (sem sucesso), restaurar a peça; o que parecia impossível no entanto, quase se concretiza: ficou faltando apenas um pedaço do prato.

No dia seguinte, entretanto, Agnes decide abrir seus presentes e no meio deles encontra um quebra-cabeças de mil peças, do qual ela completa a montagem em menos de uma hora. É assim que a aparentemente comum Agnes descobre que tem um dom extraordinário, e tal descoberta acende uma faísca dentro dela que ela não pode ignorar. O marido de Agnes, Louie (David Denman, de O Presente) é uma criatura do hábito. Ele e Agnes parecem ter feito um acordo ao longo dos anos onde ela toma conta da casa, compras e contas, enquanto ele trabalha das nove às cinco em sua oficina automotiva, para sustentar a família. Ainda assim, seu mundo também está prestes a mudar para sempre, não só pelo fato de um simples quebra-cabeças ter sido completado. Mas sim por todos os outros que Agnes viria a completar a seguir.

Agnes então liga para seu amigo que deu para ela o quebra-cabeças como presente de aniversário, ávida para saber onde encontrar mais. Esqueça as OLX ou Mercados Livres da vida, Agnes é uma garota das antigas, do tipo que estremece só de usar o iPhone que ganhou de aniversário. Ela acaba descobrindo que o quebra-cabeças foi comprado em Nova York, e ao embarcar em uma jornada até o local, ela se depara com um anúncio bastante curioso: o de que um campeão em montagem de quebra-cabeças está procurando por um parceiro.

O campeão em questão é Robert (o excelente ator indiano Irrfan Khan, de As Aventuras de Pi e Quem Quer Ser um Milionário?), que no momento é um desastre emocional ambulante, decorrência de sua recente separação. Robert também é obcecado por desastres naturais, e nunca tira os olhos dos noticiários. Apesar das estranhezas de ambos, Agnes e Robert são farinha do mesmo saco, e a relação entre os dois se desenrola de um jeito único, onde um inesperado e perigoso romance parece começar a surgir entre os dois.

O público que costuma pesquisar mais sobre cinema já se sentirá encorajado a apostar no filme apenas pelos créditos do citado roteirista Oren Moverman, sempre competente. No entanto, o que é realmente inesperada é a direção de Marc Turtletaub. Veterano produtor (com créditos em filmes como Pequena Miss Sunshine e Loving, cuja crítica você também pode conferir aqui no Portal do Andreoli), o diretor de 71 anos se arrisca aqui em apenas seu segundo longa-metragem da carreira (seu primeiro trabalho, Gods Behaving Badly, de 2013, não foi nenhuma unanimidade), e fica nítido que trabalhar todos estes anos como produtor ao lado de alguns dos melhores cineastas do planeta, pavimentou o caminho de Marc para conduzir esta notável produção. O filme de Turtletaub e Moverman toma seu tempo deixando os personagens crescerem, e construindo uma belíssima atmosfera repleta de tomadas de encher os olhos à cargo da fotografia de Chris Norr (de A Entidade).

Ao longo do caminho, entretanto, as coisas se complicam um pouco no roteiro de Moverman, que sofre um pouquinho para amarrar todas as pontas, se é que tais pontas precisam mesmo ser amarradas. Contudo, o dilema de Agnes em perseguir sua própria identidade nunca soa dramaticamente excessivo, e tal busca encaixa-se perfeitamente no ritmo da narrativa. Assim como a própria personalidade de sua protagonista, O Quebra-Cabeça é contido o suficiente para sempre manter um mistério por trás de cada decisão de Agnes. Turtletaub pode até ter alguma dificuldade para concluir sua história, mas ele finaliza seu filme com adorável simplicidade, restando ao espectador sentir-se plenamente realizado com o que acabou de assistir.

O Quebra-Cabeça estreia nos cinemas brasileiros no dia 01 de Novembro de 2018.

11 respostas

    1. Fabíola Coelho, é o tipo de filme que o final não é fechado. O expectador deduz. Eu acho que ela vai participar do campeonato . Talvez tenha se separado do marido, ou não. Independente disso, ela tomou as rédeas do seu destino.

      1. Eu acho que ela não foi ao campeonato, mas foi fazer o que sempre quis fazer: conhecer Montreal, inclusive no final do filme é possível ouvir o maquinista do trem anunciar que o destino final do trem é Montreal. Enfim, de qualquer forma, achei a personagem bem indecisa, sobre quase tudo. Me parece que ela nunca teve autonomia sobre sua própria vida e, agora que percebera, decide tomar a rédea, por isso não volta para sua família e nem vai ao campeonato, parecendo até uma decisão meio rebelde rsrs…
        No geral, gostei do filme. A atriz principal e o ator indiano são bons e os diálogos são coerentes, principalmente para o expectador que um dia experimentou ou ainda experimenta momentos de incerteza na vida e buscou ou ainda busca se autodescobrir…. Vale a pena assistir…é instigante!

      2. O filme é penetrante, faz voar os pensamentos que até então estavam encarcerados, comovente e sutil ao mesmo tempo, vidas diferentes, tanto um como outro tentando fechar o quebra cabeça de seus destinos : Agnes e Robert…houve um desfechos que ficou entre linhas abertas para nós entender o que seria o final…
        Ela foi ao campeonato?
        Ela arrumou suas coisas e partir para ficar com Robert ou resolver ficar sozinha com seus quebras cabeças?
        O caco de vidro foi um ponto final na vida doméstica de Agnes.
        Filme retrô no mundo atual..
        Amei, impactante…tem um pouco de mim nessa história.

    2. Ela percebe que apesar de tudo ama o marido e entende que ele a ama (afinal ela confessou que fez sexo com outro homem) do jeito dele. Ela não vai para o concurso, mas vai para montreal local que ela disse sempre querer conhecer. Aparentemente ela não se separa. Mas pode ter se separado. O ideal fica a critério do freguês.

      1. Achei uma porcaria… Não fechou o filme, e você fica na dúvida, se ela ficou com seu amante, ou com a família! Tudo indica que ela terminou com o amante, indo ou não ao campeonato!

  1. adorei, mas é muito parecido com o filme xadrez, que no caso, uma moça aprende a jogar xadrez meio escondida e começa a competir…..

  2. Poxa gente! Assisti porque aqui falam o filme é bom, mas só que não, o marido ficou de corno a história toda, e ela do nada ama outro cara, a única intenção do filme é a mentira que ela conta o filme todo, era só largar do marido, abandonar os filhos e ser feliz com outro cara, mas o final ficou tipo ela é uma heroína, me poupe, o filme original é muito melhor, aonde tem final aberto? Ela diz que não vai ao campeonato, o corno só trabalha, e ela passeia, chega o final do filme e é onde descobrimos que não souberam finalizar, por isso o filme virou um sucesso e uma referência!!!

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