Pearl retrata insana e sangrenta obsessão de uma jovem pelo sonho de ser uma grande estrela

Por muitos anos, o subgênero de terror mais popular e cultuado pelo grande público foi o slasher. Filmes cuja popularidade explodiu a partir dos anos 70 que, normalmente, possuem uma premissa muito simples: um assassino sanguinário persegue e mata pessoas em um intervalo muito curto de tempo. Personagens como  Jason Vorhees de Sexta-Feira 13 (1980) e Michael Myers de Halloween (1978) se tornaram símbolos do horror e deixaram uma marca indelével na indústria do entretenimento contemporânea.

Mas hoje em dia, a simples narrativa de um assassino à solta já não convence tanto quanto antigamente. Por isso, tentar reinventar uma fórmula tão conhecida e adaptá-la para os dias atuais é um risco imenso; felizmente, pela ambição do diretor Ti West, esse risco foi ignorado e, assim, surgiu a sequência de slashers mais primorosa dos últimos anos. Estou falando de ‘X – A Marca da Morte’ e de seu prelúdio recém-lançado nos cinemas – o qual, se você é um usuário assíduo das redes sociais, muito provavelmente já viu alguma coisa sobre – ‘Pearl’.

O longa acompanha uma jovem sonhadora de personalidade um tanto excêntrica chamada Pearl, interpretada pela excepcional Mia Goth, que vive frustrada com a vida pacata que leva em uma fazenda sobre a tutela da mãe fria e controladora junto com um pai muito doente, e sonha em deixar tudo para trás para se tornar uma grande estrela. Mas o que, inicialmente, parece ser só um sonho inocente se torna um delírio psicótico à medida que a moça passa a fantasiar, de forma frequente, a morte de seus familiares para que seu caminho fique, finalmente, livre para ela viver a vida que tanto deseja. Quem já assistiu ‘X – A Marca da Morte’ sabe que, na verdade, essa não é uma trama análoga, e sim a história de origem da velha assassina do primeiro filme.

Ambientada em 1918, a narrativa traz uma abordagem muito inventiva e fora da curva de um slasher. Inspirada em O Mágico de Oz (1939), toda a montagem, fotografia, trilha sonora e edição do filme remonta à estética de um filme dessa época. Um dos maiores motivos pelo qual essa produção funciona tão bem é a técnica de Ti West, que a constrói com impecável senso estético e indubitável domínio do cinema de gênero, conseguindo o feito de trazer uma jatada de ar fresco a um subgênero, em tese, batido.

(Mia Goth como Pearl / Foto: divulgação do filme)

Começando pela profundidade da psique de cada personagem, incomum ao subgênero slasher. As protagonistas femininas são, nos dois filmes da sequência, muito bem aproveitadas, com tramas envolventes e verossímeis. Pearl é assustadoramente real e instigante, explorando cada nuance do progressivo surto psicótico de sua protagonista, seus anseios, seus medos e suas projeções, como uma guiada surpreendentemente deliciosa até o estopim de sua loucura. E mesmo com sua evidente desconexão com a realidade, a personalidade da jovem é tão bem aprofundada que ela ainda consegue infligir pena em quem a assiste. Em um poderoso monólogo no final do filme, fica muito claro o porquê de ela agir da forma que age, e ela se conecta a uma reflexão sutil que o diretor propõe ao longo do filme: até que ponto alguém pode ir para se sentir amado?

Em nenhum momento esse questionamento aparece explicitamente, mas paira no ar, especialmente no que toca ao universo feminino. A forma como o padrão conservador de beleza norte-americano era imposto, ditando que o único fenótipo de mulher bela possível eram as brancas, magras, loiras de olhos azuis; a objetificação dos corpos de bailarinas em tela, todas aparentando graça e perfeição incomuns, segundo esse mesmo parâmetro…tudo isso contribui para a jornada da jovem rumo à insanidade, que mira nesse ideal falso de perfeição e acerta na perda de si própria.

Aliada a direção de West, que constrói essas camadas emocionais com impressionante técnica cinematográfica, está a atuação estelar de Mia Goth, que dá vida a Pearl com tanta paixão e entrega que o resultado é um retrato absurdamente verossímil da obsessão por amor e perfeição. Mia encarna cada faceta dessa personagem com maestria ímpar, tanto seus instintos assassinos quanto seu lado mais infantil e vulnerável, até mesmo o conflito entre esses dois lados parece se desenvolver com fluidez descomunal com ela na pele da moça. Certamente, Goth é uma das atrizes mais esnobadas da categoria de Melhor Atriz do Oscar 2023, e decepciona ver um trabalho tão completo ficando de fora dessa premiação, mas isso não diminui em nada o valor e qualidade do que ela entrega nesse fascinante horror.

Cena de ‘Pearl’, novo filme da A24 com Mia Goth

Todos esses fatores em conjunto fazem com que este slasher, de abordagem única e tão estilizada, seja realmente um grande respiro para o subgênero e um prequel muito coerente do primeiro filme, que incita a curiosidade para saber quais rumos o próximo filme da sequência irá tomar. Trazendo uma visão não muito convencional de seus próprios tropos narrativos, ‘Pearl’ é um filme de terror como poucos, que perturba, desperta repulsa, mas sem deixar de tentar levantar boas reflexões sobre a sociedade.

Embora ainda não haja nenhuma previsão de estreia no streaming, o filme ainda pode ser assistido em muitos cinemas no País todo e é uma experiência visual atordoante, que vale muito a pena ser vivida através de uma grande tela de cinema. Caso ainda não tenha visto o primeiro filme, ‘X – A Marca da Morte’ está disponível na Amazon Prime Video.

 

**O conteúdo e informação publicado é responsabilidade exclusiva do colunista e não expressa necessariamente a opinião deste site.

 

Imagens: Foto divulgação Filme Pearl

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