Bom dia meus queridos amigos!
Eu começo esta coluna pensando sobre a importância inegável de entender o momento histórico, geográfico e cultural quando olhamos para qualquer texto que não tenha a ver com a nossa cultura e tampouco com as lentes do mundo moderno e globalizado onde estamos mergulhados.
Ora, a razão é simples: quando interpretamos as páginas da história desta maneira, inevitavelmente nos equivocamos trazendo as nossas idiossincrasias, costumes locais, experiências pessoais e culturais para dentro de uma arquitetura que nada tem a ver com o nosso dia a dia.
Fábio, o que você quer dizer com isto?
Por exemplo: A primeira vez que os cristãos foram chamados de cristãos no século I, eles se encontravam em Antioquia de acordo com o texto bíblico de Atos 11:26. No entanto, todo e qualquer documento do mesmo período vai tratar os mesmos indivíduos de “ateus”, pois eles não seguiam os deuses gregos-romanos e tampouco prestavam “continência” ao Imperador Romano que era o κύριος em Grego (kurios: Senhor ou Master, ou até mesmo “deus”).
Outro exemplo: Ser cristão a partir do século IV significava receber privilégios econômicos, políticos e sociais. Ser cristão a partir do século IV fazia do indivíduo um ser humano da “maioria”, até porque o Cristianismo se tornou a religião oficial do Império. Dito isto, entre os cristãos, antes e depois do século IV, há um corte radical de perseguidos para perseguidores de pagãos…
Um último exemplo: A palavra evangélico surgiu pela primeira vez quando William Tyndale escreveu em 1531 “He exhorteth them to proceed constantly in the evangelical truth.” Depois disto, no chamado “First Great Awakening” temos as figuras conhecidíssimas do mundo evangélico tais como: George Whitefield, John Wesley e Jonathan Edwards que se encontram entre 1730 e 1790…
Ora, eu escreveria um glossário pelo fato que hoje temos que diferenciar a palavra Igreja com “I” maiúsculo que significa o encontro humano e vem de ekklesia do Grego (ἐκκλησία); igreja com “i” minúsculo que significa a instituição humana a partir do século IV…
Seguiria falando do Evangelho, com “E” maiúsculo que no Grego (εὐαγγέλιον) significa boa-notícia e, portanto, o Evangélico com “E” maiúsculo deve a princípio carregar intrinsicamente a qualidade do Evangelho diferenciando do evangelho com “e” minúsculo, que seria uma falsificação do Evangelho, e portanto, os “evangélicos” com “e” minúsculo, carrega a mesma fonética dos Evangélicos, mas não a qualidade daquele que é do Evangelho…
Deu para entender? É simples, mas temos que fazer um esforço para pensar, senão tudo vira uma coisa só…
Na realidade, quando alguém ouvia a pronunciação da palavra “evangélico” nos dias de Tyndale, John Wesley ou na geração do Billy Graham e John Stott era uma coisa. Hoje a mesma palavra não tem a mesma conotação. Ora, ser evangélico debaixo do guarda-chuva político, social e econômico de Donald Trump e Joe Biden é irremediavelmente uma outra coisa. Isto é um fato imutável. Gostemos ou não.
Palavras, interpretações, e conceitos variam de acordo com a ótica e o momento da história…
Dito isto, eu escrevi este preâmbulo apenas para situar você com o Jesus da Palestina do século I onde o domínio Romano era evidente do ponto de vista político, social e econômico.
Um projeto de “Pax Romana” era a propaganda marketeira de um projeto de colonização e ocupação militar. Ponto. Jesus nasce debaixo do Imperador Augustus, mas ele vive, cresce e morre crucificado debaixo do Imperador Tiberius. Ponto.
Aliás, monumentos, templos e santuários dedicados à Augustus tanto quanto à Tiberius se encontram na “esquina” de onde eu escrevo este texto ratificando a importância da história e o cuidado que devemos ter ao interpretá-la sem cometer erros brutais.
Olha só.
Vamos ao ponto chave da coluna de hoje…
Todo aquele que se diz discípulo de Jesus concorda em gênero, número e grau com C.S. Lewis que disse “O filho de Deus tornou-se homem, para possibilitar que os homens se tornem filhos de Deus”.
Na realidade, todo discípulo de Jesus afirmará que Jesus é homem e Deus, e Ele, Jesus é misteriosamente, Deus e homem segundo a fé cristã.
No entanto, o que eu gostaria de chamar a tua atenção é o fato de que Jesus era homem, mas não era somente homem, ele era um homem da Galiléia dentro de um contexto cultural judaico. Ele não era loiro de olhos azuis como vemos nos filmes de Hollywood…
Pois bem, e qual o significado disto? Quais são as implicações de Jesus ser um Galileu no século I da Palestina?
É muito simples. Jesus homem, o histórico Jesus, nasceu em Nazaré. Ponto. No Evangelho de João encontramos Natanael espantadamente perguntando, “Pode vir alguma coisa boa de Nazaré?”
Isto posto, Jesus não era apenas um judeu, ele era um judeu galileu!
E o que isto significa, Fábio?
Muita coisa…
Primeiro que o seu ministério e conjunto de ensinamentos tomam proporções extraordinárias não em Atenas ou qualquer outro centro religioso e intelectual da Terra, mas toma lugar no tempo e espaço da região chamada Galiléia dos gentios: o primeiro milagre de Jesus foi exatamente no casamento em Caná da Galiléia, a sua primeira mensagem na sinagoga foi em Nazaré, outros importantes acontecimentos: a visita de Marta e Maria, Jesus andou por sobre as águas no mar da Galiléia, curou e perdoou o paralítico, alimentou as multidões, discursou o tão conhecido e extraordinário sermão do Monte, a oração conhecida como “Pai Nosso”, parábolas diversas tais como o filho pródigo, a ovelha perdida, e eu poderia seguir a lista e a mesma seria imensa…
O fato é que se não fora por Jesus, a Galiléia dos judeus continuaria ser um lugar distante dos holofotes do mundo. O fato é que a Galiléia dos judeus era um lugar absolutamente desconhecido até a chegada de Jesus. E mais ainda: a Galiléia dos judeus jamais fora um centro religioso ou intelectual. Aliás, do ponto de vista demográfico sempre foi uma região de ocupação e infiltração de forças estrangeiras – sírios, babilônios, egípcios, macedônicos, persas entre outras civilizações – até se tornar um povo rejeitado, de segunda-classe e visto como “impuros” pelos demais judeus…
Os fariseus olhavam para os galileus e “do alto para baixo” diziam que eles eram ignorantes com respeito às leis de Deus. Os saduceus, por sua vez, diziam que a freqüência dos galileus no templo era mínima e eles não estavam familiarizados com os rituais….
Os galileus eram zombados e havia “bullying” por parte dos judeus tanto quanto dos gregos porque os galileus não conseguiam pronunciar certas palavras do Hebraico. Eles tinham um sotaque forte. Ora, devido a este fator de ordem fonética, muitas vezes, os galileus eram proibidos de recitar as orações em público ou no templo.
Virgilio Elizondo escrevendo o seu excelente texto “The Galilee Experience” nos mostra que os galileus eram vistos como “idiotas” dentro de uma região de mistura de raças, e culturas…
Ora, eu te trouxe até este ponto simplesmente para te dizer que Jesus era um galileu. Você já parou para pensar nisto?
E mais ainda: Você já leu atentamente a árvore genealógica de Jesus? Tamar, Raabe, Salomão, filho de Batseba: prostituição, incesto, mentira, adultério…
Definitivamente, não era uma genealogia para se orgulhar…
Eu poderia seguir dizendo que Jesus jamais se identificou sendo um fariseu, saduceu, mestre da lei, ou acadêmico em teologia, da direita, da esquerda, ou anarquista….
Aliás, ele disse “O meu reino não é deste mundo …” e quando houve disputa de poder, quem seria o maior, Jesus disse que os governadores dos povos dominavam e que os maiorais exerciam autoridade, mas entre eles, entre nós, entre os discípulos de Jesus, não deveria ser assim, deveria ser diferente…
Até porque Ele veio de Nazaré…
Até porque Ele era Galileu…
Até porque Ele sabia quem Ele era, apesar de seus ancestrais serem quem eles foram…
Até porque Ele foi desprezado e o mais rejeitado entre os homens; homem de dores e que soube e experimentou “na pele” o significado de padecer…
Eu já estou concluindo.
Hoje sinceramente eu olho para a minha experiência de quase 40 anos transitando entre igrejas as mais diversas e variadas, olho para os 6 países onde morei, penso nas viagens e dos mais de 30 países que tive a oportunidade de visitar, nos encontros e conversas com gente de todo o mundo, incluindo gente que se dizia ser discípulo de Jesus, e a minha pergunta em silêncio e com muito temor nesta hora é a seguinte…
Porque os evangélicos ou cristãos tem se tornado tão antagônicos e incoerentes com respeito ao seu Mestre Jesus?
Porque os evangélicos ou cristãos tomaram as rédeas da supremacia em nome do Jesus da Galiléia, do Filho do homem que não tinha nem ao menos um lugar onde repousar a cabeça…
Porque o projeto evangélico tem se tornado um projeto que nada tem a ver com a manjedoura de Belém, uma pequena aldeia de Judá…
Porque?
Cada vez mais, parece que tristemente eu ouço os ecos das palavras de Gandhi quando olhava para o domínio esmagadoramente colonizador dos britânicos na Índia, e dizia: “Eu gosto do seu Cristo. Eu não gosto dos seus cristãos. Seus cristãos são tão diferentes do seu Cristo”.
Deus nos livre de tamanha presunção e arrogância.
NEle, que nos ensinou e disse que o servo não deveria ser maior que o seu Senhor.
Fábio Muniz
Collonges-au-Mont-d’Or
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Respostas de 4
Ser como Cristo deve ser nossa meta, mesmo impossível, precisamos ter sempre em mente esse alvo e nos aproximarmos o máximo possível com a ajuda divina.
Muito boa reflexão, continue escrevendo,
abraços,
Meu querido amigo e companheiro de jornada Elton,
Você tem razão. Enquanto estamos neste mundo caído e relativo, buscamos o alvo e nos “cristoficamos” gradativamente. Ora, este processo de “cristoficação” terminará apenas quando estivermos face a face com Ele, o Cristo de Deus.
Um beijo grande. Saudades!
Fábio
Somos todos cristãos. Porque somos filhos do mesmo Pai.em Genesis 1:27…Criou DEUS ,pois, o homem a sua imagem ,à imagem de Deus criou; homem e mulher os criou.
Em segundo Coríntios 2:15..porque nós somos para com Deus o bom perfume de CRISTO,tanto nos q são salvos,como nos que se perdem….
Vamos vivendo e aprendendo com a BÍBLIA QUE É O LIVRO MAIS ATUAL DA BIBLIOTECA MUNDIAL.
DEUS ABENÇOE RICAMENTE ESTA COLUNA ESPIRITUAL.
ATÉ
Obrigado pelo carinho, mãe.
Bom ver você por aqui. Tão distante, e tão pertinho…
Um beijo grande. Espero estar com vocês em Fevereiro.
Até a próxima coluna (pelo menos:-)
Fábio