Fábio Muniz: O que pouca gente fala sobre o Primeiro Natal…

– “Papai, eu gosto tanto do Natal…”

– “É mesmo, Sophia! E por que?”

– “Não sei. Eu gosto de tudo. Eu gosto da decoração. Eu gosto das músicas. Eu gosto do clima na cidade. Eu gosto tanto, tanto, e tanto do Natal que eu diria…”

– “Diria o que, Sophia?”

– Diria que eu gosto mais do Natal do que do dia do meu aniversário…” E assim nós rimos juntos.

 

Bom dia meus amigos queridos!

Eu não preciso dizer que esta conversa com a minha filha Sophia se estendeu, e tomou ares natalinos, e fizemos uma viagem longa de ida e volta até começarmos a falar de outras milhares de coisas que uma menina de 8 anos gosta de falar…

O fato é que a gente se ilude com o Natal do glamour, dos shoppings, das compras, do mercantilismo e capitalismo selvagem.

Na realidade, este “Natal para fora” exacerba as diferenças sociais, mostra quão oportunistas os mercados são, angustia milhares de crianças que não têm, e faz com que milhares de pais se sintam culpados por não poder proporcionar o tal glamour da experiência de compra, e troca de presentes que carrega o “Natal para fora”.

Ora, eu já disse e repito que eu sou apaixonado em visitar le Marché de Noël na Europa, tomar um bom chocolate quente, abrir e dar presentes e tudo mais…

Le Marché de Noël
Os Marchés de Noël são feiras ao ar livre, realizadas anualmente perto da data do Natal. Historiadores calculam que os primeiros marchés tenham começado a ser organizados ainda no século XIII, ou seja, é uma das mais antigas tradições europeias que ainda são realizadas. Os mercados de Natal fervilham em toda a Europa com suas tendas, repletas de iguarias regionais, artesanato e bons vinhos quentes para esquentar o clima frio que marca o fim do ano.

Não há nada de errado em toda esta descrição desde que a gente tenha o sentido do “Natal para dentro” e o mínimo de sensibilidade para fazer do Natal de alguns que passam pela nossa jornada, um Natal digno do encontro humano, de surpresas, de chocolates quentes e troca de presentes também…

No entanto, o Primeiro Natal não tinha nenhum glamour e nenhuma magia do ponto de vista da relevância de tal acontecimento histórico na Palestina daqueles dias…

A gente se esquece que o Primeiro Natal não aconteceu em um confortável hospital, com assistência de enfermeiros ou doulas para sustentar Maria durante a dor do parto, mas em uma possível gruta, segunda a tradição dos pais da igreja…

Em uma manjedoura com um pouco de palha…

Alguns dirão que foi em uma estrebaria ao redor de muitos animais segundo a tradição do presépio. Seja como for, certamente não foi em um ambiente sereno para dar à luz…

O presépio representa o cenário do nascimento de Jesus: O primeiro presépio data de 1223 e foi montado na Itália por São Francisco de Assis, que queria mostrar aos fiéis como teria nascido Jesus.Inicialmente era feito apenas nas igrejas, até a sua montagem nas casas se tornar tradição. Trata-se de uma representação do cenário em que o Menino Jesus nasceu. Assim, além de Jesus e de seus pais, Maria e José, nele figuram: os animais do estábulo, que aqueceram Jesus; o anjo, que anuncia ao mundo o seu nascimento; a Estrela de Belém, que indicou o caminho para os reis magos; os três reis: Baltazar, Gaspar e Melchior.

Você pode imaginar uma estrebaria? Você pode imaginar o cheiro desagradável de esterco? Você pode imaginar os mosquitos voando?

Na realidade o contexto era de tensão, perigo, solidão e incertezas.

Dito isto, a gente se esquece que o Primeiro Natal não teve os holofotes de nenhum evento religioso. Jesus não nasceu em Jerusalém. Jesus nasceu em Belém. Ele não nasceu na capital da religião.

A gente se esquece que o Primeiro Natal não tinha a expectativa dos escribas da Lei, ainda que cada um deles conhecesse o texto de cor e salteado…

Ora, todos conheciam o texto do profeta Miquéias que dizia que seria na cidade de Belém onde nasceria o Messias, mas ninguém deu um passo em direção à Belém!

Jesus nasceu debaixo da fúria horrorosa e genocida de um rei chamado Herodes que tentou fazer uma “ação cirúrgica” para matar o chamado “rei dos judeus”, mas acabou matando centenas e milhares de bebês recém nascidos.

Se Herodes pudesse, ele teria usado um “drone” para seguir os reis magos, mas o tal rei Herodes foi escrupulosamente desumano, e acabou fazendo com que centenas e milhares de pais chorassem pela perda dos seus recém nascidos…

A gente se esquece que o Primeiro Natal não teve apenas o encanto dos chamados reis magos e da estrela que brilhava, mas a insegurança e temor dos mesmos que para retornar à Pérsia escolheram um outro caminho, pois provavelmente tomados de medo sabiam que Herodes poderia descobrir onde o menino Jesus se encontrava…

E mais ainda, olhem a profecia que Maria recebeu: “Ele, Jesus, será um sinal de contradição – uma espada traspassará a tua alma”.

Simeão se voltou para Maria, Mãe de Jesus, para fazer-lhe um anúncio profético: “Simeão os abençoou e disse a Maria, a mãe: ‘Este menino será causa de queda e de reerguimento para muitos em Israel. Ele será um sinal de contradição – uma espada traspassará a tua alma!’ – e assim serão revelados os pensamentos de muitos corações” (Lc 2,34-35).

Qual pai ou mãe gostaria de receber tal profecia para o seu filho ou filha?

Eu não! Jamais…

E a “pobre” da Maria dizendo “Eu estou grávida de Deus…”

Alguém se candidata a ser Maria?

E o “pobre” do José que recebeu um sonho para assumir tal paternidade…

Representação: José vai dormir. O anjo de Jeová lhe aparece num sonho e diz: “Não tenha medo de levar para casa Maria, sua esposa, pois o que foi concebido nela é por espírito santo. Ela dará à luz um filho, e você deve lhe dar o nome de Jesus, pois ele salvará seu povo dos pecados deles.” — Mateus 1:20, 21.

O que você acha de ser um José? Deus me livre!

José não teve tempo nem de respirar. O privilégio do susto é dele, e só dele…

De modo que nunca aconteceu nada igual ou similar na história humana.

E jamais acontecerá algo da mesma natureza…

Pois bem, imaginem só…

Dentro de uma sociedade machista de 2000 anos atrás. Dentro de uma sociedade que apedrejava mulheres. Dentro de uma sociedade que parecia que um adultério tinha ocorrido, ou no mínimo, uma experiência de “corno”…

E o que dizer da perseguição, perigo, e fuga para o Egito como refugiados?

O Primeiro Natal foi longe de um ambiente familiar. O Primeiro Natal foi longe de um ambiente aconchegante, tranquilo ou sereno do ponto de vista de qualquer grávida que espera o momento do parto…

E a relevância de Jesus no momento histórico?

Não há!

De modo que este cenário visto do ponto de vista humano deveria ser objeto de piada. Os religiosos não procuraram o menino Jesus mesmo tendo dito aos reis magos claramente sobre as profecias que eles conheciam…

Não há nenhum acadêmico ou teólogo que decide ir a Belém porque a visitação de Deus chegou na Terra.

De fato, Jesus vive na marginalidade da religião desde o início. A história de José e Maria está longe dos padrões da ética e moral…

O fato é que a gente aprende e muito com o Primeiro Natal.

Então você me pergunta: “Fábio, o que a gente aprende?”

A gente aprende que devemos nos calar diante de qualquer juízo e tentativa de interpretação do que está acontecendo na vida do outro…

Aliás, só Deus sabe o que acontece entre um homem e Deus debaixo do sol. Só Deus sabe o que acontece entre uma mulher e Deus nesta existência.

O fato é que a loucura de um megalomaníaco chamado Herodes fez com que a profecia fosse cumprida contra tudo e todos. E Deus sem pedir a validação da religião fez o seu filho Jesus nascer. Eu acho isto extraordinário…

Representação: Maria, Jesus e José

Eles sabiam o texto. Eles conheciam o livro. Eles sabiam o endereço da “casa de Deus”. Eles conheciam a informação. Eles “viviam” indo ao templo. Mas Deus decidiu nascer fora do templo, numa gruta onde se revelou ao homem, tomando tamanho do próprio homem…

Disto isto, eu termino esta coluna com o cântico de Maria. O cântico conhecido como Magnificat. O cântico da coragem de alguém que disse: “Sim, eis me aqui…”

O cântico de alguém que assumiu o risco do apedrejamento, mas viveu a experiência do Primeiro Natal para dentro e para além das circunstâncias…

Que Deus nos ajude a viver o Natal para dentro, fazendo com que as lindas e profundas palavras de Maria se tornem a realidade da nossa jornada espiritual neste Natal…

“Então, disse Maria: A minha alma engrandece ao Senhor, e o meu espírito se alegrou em Deus, meu Salvador, porque contemplou na humildade da sua serva. Pois, desde agora, todas as gerações me considerarão bem-aventurada, porque o Poderoso me fez grandes coisas. Santo é o seu nome. A sua misericórdia vai de geração em geração sobre os que o temem. Agiu com o seu braço valorosamente; dispersou os que, no coração, alimentavam pensamentos soberbos. Derribou do seu trono os poderosos e exaltou os humildes. Encheu de bens os famintos e despediu vazios os ricos. Amparou a Israel, seu servo, a fim de lembrar-se da sua misericórdia a favor de Abraão e de sua descendência, para sempre, como prometera aos nossos pais.” (Lucas 1:46-55)

Fábio Muniz

Collonges-au-Mont-d’Or

 

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8 respostas

  1. Magnificat. Lindo. Quando você sabe da inocência de uma criança de 8 anos que disse que prefere o Natal do que seu próprio aniversário, isso mostra o quanto ela pensa nos outros e não em si própria. É maravilhoso de saber isso. Que todos neste Natal pensem igual a Sophia. Sem egoísmo. E distribua para todos não presentes, mas solidariedade, uma palavra de consolo, um prato de comida.
    Esse deve ser o verdadeiro espírito do Natal.

    1. Renato, meu querido amigo.
      Você tem razão: Um abraço, um prato de comida, um gesto de carinho e inclusão.. Seja este o espírito de Natal deste ano.
      E eu espero de todo o meu coração, que você se fortaleça, e em breve caminhe, e volte para a tua casa, deixe o hospital, e tenha o melhor presente de Natal que você poderia receber.
      Um forte abraço.
      Fábio

  2. Muito curioso este teu relato amigo Fabio !!! Minha esposa e eu, tivemos 3 filhas biológicas e 2 adoptadas, e coincido com voce que na época do Natal, todas elas nos impactavam, mais ou menos como a Sophia!!!!! Nenhuma das nossas meninas, fizeram esta afirmaçäo que a Sophia fez, mas a alegria era bem parecida !!!!Inclusive eu arriscaria a dizer que, as mulheres, säo tremendamente mais impactadas no Natal, e sempre nos ensinam algo novo !!!!!Este detalhe no comentario do Renato, tambem me surpreendeu muito, afirmando que as mulheres sempre renunciam mais que nós, quando se trata de solidariedade, que é sinonimo de EVANGELHO !!!! Que o dono do Natal, possa repartir entre nós mais solidariedade, para que alcancemos cada ano mais, os mais necessitados…….

    1. Meu querido Roberto,
      Que o EVANGELHO que nos visitou e nos ensinou a simplicidade de ser humano com gestos de generosidade, bondade, alegria e inclusão possa nos encher de paz, serenidade e esperança neste Natal.
      Obrigado por escrever. Obrigado por incluir a tua familia nesta resposta. Que Deus abençoe a cada um de vocês. Espero que você, a tua esposa, e as tuas meninas tenham um lindo Natal.
      Até a próxima!
      Fábio

  3. Linda a Sophia pura de coração .
    Sim ..eu entendo queSophia,acha a data do Natal,mais importante do que seu aniversário,porque ela no seu entendimento,Já afirma que Jesus Cristo nasceu.viveu e morreu por nós
    O NATAL DATA MAIS COMEMORADA NO MUNDO CRISTÃO. E JESUS BREVE VOLTARÁ!

    1. Ah este coração de vovó…:-)
      É verdade…
      O Natal é a data mais comemorada e lembrada no meio cristão…
      A minha esperança é que também seja uma data para repensar, e viver o verdadeiro sentido e significado do Natal.
      Um beijo grande. E até fevereiro 🙂
      Fábio

  4. Amém meu irmão Fabio. Glórias a Deus nas maiores alturas, por esse ¨contrassenso¨ do natal que a nós faz o maior sentido de todos. e Diga para minha amiguinha Sophia que estou com ela 100%. rsrs

    1. Meu querido Marcelinho,:-)

      Vou dizer. Vou falar para a Sophia…
      Obrigado pela mensagem..

      De fato, são nestes aparentes paradoxos da vida que vemos a Luz brilhar nos nossos corações e que nos mostra um Caminho no meio da tormenta.

      Um forte abraço.
      Saudades,
      Fábio

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